Hung Kuo-hsiung

Consultor na Aldeia Suao dos Tamancos de Madeira de Baimi, especialista/conferencista do Museu Yuyu Yang, director de marketing da Lee Gallery.

Peregrinação à comunidade Baimi, em Suao, Yilan

2a edição | 02 2015

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Tamancos de madeira personalizados, com um certificado de casamento, fabricados na aldeia de Bai-mi, Su’ao, em Taiwan.  Foto gentilmente cedida por Hung Kuo-hsiung


Há uns anos, aceitei o convite de amigos para visitar a Aldeia Suao dos Tamancos de Madeira de Baimi, na zona nordeste de Taiwan. Ainda me lembro que, no primeiro dia da minha visita, fiquei profundamente impressionado com aquela paisagem idílica que tinha diante de mim e disse para comigo ter tomado a decisão acertada ao aceitar o convite.


A bela paisagem que tinha diante de mim era o fruto do trabalho árduo de mais de dez anos de uma pequena associação de mães. Exigiram, por exemplo, que os camiões usados pelas fábricas para o transporte de areia ou cascalho fizessem um desvio no caminho, e chegaram mesmo a fazer frente a essas mesmas fábricas, com o firme propósito de assegurar um ambiente favorável e seguro para as próximas gerações. Correndo o risco de que os seus maridos, empregados nas fábricas, pudessem perder o emprego caso não se chegasse a acordo. Felizmente, e contra todas as expectativas, os seus esforços foram recompensados e as fábricas, além de encontrarem um novo percurso para os camiões, passaram a fazer um donativo anual à comunidade.


Quando pensaram que o problema mais difícil tinha sido resolvido, outro estava prestes a emergir. Apesar de os mais idosos acharam que uma lavagem de cara na comunidade era uma mudança desnecessária e um desperdício de dinheiro, as mães resolveram passar das palavras à acção, começando pela sua própria casa. Encontravam-se uma vez por semana para embelezar a comunidade durante as horas da sesta dos mais idosos e enquanto os filhos estavam na escola. Em cerca de seis meses, a população descobriu que toda a comunidade parecia vestir roupagens novas e foi gradualmente levada a trabalhar em conjunto para tornar a aldeia mais agradável e limpa. Houve no entanto uma situação embaraçosa durante este período de remodelação: várias anciãs foram acusadas de evitar as pessoas relacionadas com o projecto sempre que tinham oportunidade.


Como diz o ditado, o difícil é começar. Felizmente, estas mães com ideias fixas conseguiram alcançar os seus objectivos de diferentes formas − algumas ficaram responsáveis por acalmar os ânimos dos mais idosos, outras coordenavam os serviços públicos e outras, ainda, estudaram a gastronomia tradicional e, mais importante ainda, a indústria tradicional – o tamanco de madeira e a sua relação de um século com a comunidade de Baimi.


Durante a ocupação japonesa, o comércio da madeira foi monopolizado. O terreno onde se situa a comunidade Baimi era conhecido por ter uma plantação de árvores de tulipa chinesa, cuja madeira resistente era óptima para a fabricação de tamancos. Estes, no entanto, foram substituídos por chinelos de plástico após a ascensão da indústria do plástico, logo após a Segunda Guerra Mundial, e muitos artesãos abandonaram a profissão dedicando-se a outros trabalhos. Após a persuasão persistente das mães, alguns antigos artesãos voltaram ao antigo negócio com mãos ainda hábeis, apesar da idade avançada. Uma vez que o período áureo dos tamancos tradicionais já lá vai, tivemos de começar a pensar numa forma de aplicar a regra de “o velho é novo”, mas percebemos que havia muitos mais desafios a enfrentar, como a resistência obstinada dos mestres artesãos.


Todos nos esforçámos por encontrar ideias de forma a reinventar os tamancos originais e transformá-los num produto cultural e criativo. O que mais os fez sentirem-se orgulhosos deste processo foi o facto de se inspirar nos provérbios chineses. Por exemplo, “fu chang fu sui / yi bu yi jiao yin” (literalmente, “o marido canta e a mulher segue-o / um passo de cada vez”), uma metáfora sobre os alicerces necessários para um casamento harmonioso, serviu de inspiração para a criação de tamancos com um certificado de casamento, combinando técnicas de artesanato tradicionais e tecnologia de impressão. Este é, até hoje, o produto mais popular da comunidade.


O que torna os seres humanos excepcionais é a sua capacidade de sonhar. Estas mães, um dia jovens, envelheceram com o passar do tempo, mas os esforços que fizeram para o desenvolvimento da comunidade e das indústrias culturais e criativas continuará a ser um exemplo para as gerações futuras. Tenho de dizer isto em voz alta: “Vocês, mães Baimi, são as pessoas mais bonitas do mundo!”