Ron Lam

Escritora a residir no Japão, especializada em design, lifestyle e jornalismo de viagem, Ron trabalhou anteriormente como editora das revistas MING Magazine, ELLE Decoration e CREAM.


A importância dos mercados de rua

17a edição | 10 2016

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É importante escolher o dia certo para visitar Quioto. Não estou a falar da época das cerejeiras em flor ou de toda a folhagem, mas dos dias 15 e 25 de cada mês, ou outro dia qualquer em que aconteçam os mercados de rua, que transformam templos e santuários calmos em áreas de mercado cheias de vida.


Organizada pela Kyoto Koshoken (Sociedade de Livros Antigos de Quioto), a feira acontece três vezes por ano e cada qual em locais diferentes. Na Primavera, acontece no Miyako Messe (Centro Internacional de Exposições de Quioto), enquanto no Outono é organizada no Templo Chionjii, em Hyakumanben. A edição de Verão, que em japonês é chamada Shimogamo Noryo Furuhon Matsuri, tem lugar em Shimogamo Tadasunomori. Os livros usados (furuhon, em japonês) são obviamente a principal atracção da feira, mas o noryo (que significa “desfrutar da brisa enquanto se caminha”) é também um dos destaques. O nome da feira simplesmente reflecte o facto de as pessoas em Quioto verem a leitura como uma das suas actividades de lazer.


A feira do livro organizada em Miyako Messe acontece dentro de portas. Não há quaisquer outras actividades além da leitura. No entanto, a feira em Shimogamo Tadasunomori acontece no exterior e a atmosfera é relaxada. Dezenas de vendedores de livros em segunda mão de Quioto montam os seus stands e, como em qualquer outra feira festiva, há também stands que servem comida e bebidas. Por trás das tendas vêem-se pessoas a fazerem piqueniques debaixo das árvores. Os visitantes sentam-se no chão e lêem livros que acabaram de comprar, e desfrutam também dos seus almoços em tradicionais caixas “bento” (espécie de tabuleiro  plástico usado para a comida no Japão). Shimogamo está aberto ao público todo o ano, mas é especialmente animado nos dias em que há mercado, e as pessoas aproveitam esta floresta primaveril inserida na cidade.


Há vários mercados criativos realizados mensalmente em Quioto. Por exemplo, os mercados de rua organizados em Kamigamo Shrine e Umekoji Park. O mercado mais conhecido é no Templo Chionjii, no dia 15 de cada mês. Tal como a Feira de Livros Usados em Shimogamo, o mercado de artesanato organizado em Chionjii também é um mercado de templo. Contudo, os dois têm objectivos completamente diferentes. A Feira de Livros Usados em Shimogamo pretende dar aos vendedores de livros usados de Quioto a oportunidade de trocarem ideias e fazer dos livros usados uma parte mais visível da cultura. Já o mercado de artesanato no Templo Chionjii espera atrair pessoas que visitem novamente o templo.


A maior parte dos templos e santuários no Japão são financiados por donativos. No passado, os japoneses frequentavam templos já que esses lugares serviam de espaço para as crianças brincarem. Mas hoje as pessoas vão menos aos templos, porque as crianças preferem estar em espaços interiores ou brincar em parques. Sem visitantes frequentes, os templos recebem menos donativos e isto fez com que esta tradição japonesa entrasse em crise. Foi isto, portanto, que deu origem ao mercado de artesanato no Templo Chionjii. Espera-se que o mercado possa ser uma forma de aproximar novamente as pessoas do templo.


Além disso, os mercados de artesanato têm um papel importante na promoção das indústrias culturais e criativas. O mercado no Templo Chionjii, por exemplo, foi fundado em 1987. No começo apenas vendedores participavam no mercado. Hoje, 400 artesãos de todo o Japão estão presentes no mercado todos os meses. Alguns já têm as suas próprias lojas, e alguns são estudantes que querem avaliar se os seus trabalhos de design têm algum mercado. Um dos problemas de ter uma loja online é que os clientes não podem ver os produtos reais e têm dúvidas em relação à sua qualidade. Operar uma loja tradicional ou uma loja pop-up num centro comercial requer uma enorme injecção de capital. Montar um stand num mercado de artesanato apenas exige alguns milhares de yen para arrendar um espaço. Com um montante de capital tão baixo, os vendedores podem chegar directamente aos seus clientes, falar com eles e perceber como estes vêem os seus produtos.


Tornei-me amigo de alguns oleiros famosos no Japão e todos coincidem em dizer que é mais fácil viver da olaria hoje em dia do que no passado, porque as pessoas estão a dar mais atenção aos acessórios que usam à mesa e ao modo com os dispõem (obrigado Instagram). Além disso, agora há mais canais para que cada um possa promover os seus trabalhos artísticos e há louças à venda um pouco por toda a parte, ao ponto de até as boutiques terem começado a vender objectos de cerâmica. É escusado dizer que os mercados de artesanato são vitais para que artistas possam começar o seu percurso. Para promover as indústrias culturais e criativas, bem como para permitir que o trabalho de jovens artistas seja visto, participar num mercado de artesanato é provavelmente a forma mais simples e económica de fazê-lo.