Ho Ka Cheng

Supervisor da Associação Audio- Visual CUT, Ho é um dos realizadores do projecto Macau Stories 1 e esteve também envolvido no Macau Stories 2 – Love in the City e no Macau Stories 3 – City Maze. Macau Stories 2 – Love in the City recebeu uma menção especial no festival português de cinema Avanca e foi mostrado nos festivais de Tóquio e Osaka.

Cinema como cultura e indústria

6a edição | 06 2015

Há uma história sobre uma aldeia que produz tomates excepcionalmente deliciosos. Os residentes dessa aldeia usam os tomates para confeccionarem diferentes pratos. Por serem tão saborosas, estas receitas começaram a atrair visitantes de outras paragens. À medida que o tempo foi passando, além dos agricultores que cultivavam os tomates, também os chefes de cozinha da aldeia ou de lugares próximos começaram a usar tomates nas suas criações—confeccionavam-se saladas, massas, bolachas, bolos lunares e outras coisas. Começou a formar-se uma “cultura do tomate”. Mais tarde, alguns produtores de tomate tornaram-se comerciantes grossistas. Pessoas de outros lugares seguiram o exemplo e juntaram-se ao negócio. Além de terem conhecimentos sobre o processo do cultivo do tomate, estes comerciantes conheciam os hábitos e a mentalidade dos consumidores. Através de grandes sistemas tecnológicos de tratamento de dados, os comerciantes grossistas começaram a recolher informações sobre o mercado e a controlar a produção dos agricultores. Formou-se uma sólida cadeia de produção de tomate. Depois disso, apareceram capas de telemóvel com imagens de tomates, músicas sobre tomates, histórias infantis sobre tomates e assim por diante, criando-se uma grande indústria baseada no tomate. Os comerciantes grossistas começaram a fazer dinheiro com o negócio do tomate, mas não reinvestiram esse capital nos agricultores ou no desenvolvimento da sua tecnologia agrícola. Estes comerciantes pegaram no dinheiro e reinvestiram no mercado imobiliário e produtos financeiros para terem lucros maiores. À medida que estes dois sectores foram ficando mais populares, foi sobrando menos terreno para o cultivo de tomate. Os agricultores acabaram por sair de cena e a aldeia tornou-se num centro financeiro. 


A história acima retrata a curiosa relação entre cultura e indústria. Normalmente, uma tendência cultural produz uma indústria—e o importante é que os lucros provenientes dessa indústria sejam transferidos de volta para a fonte cultural, de forma a cultivar mais talentos e tecnologia. Dessa forma, a indústria poderá continuar a desenvolver-se e a transformar-se. Por exemplo, no Reino Unido a música popular deu origem a uma série de indústrias diferentes. A popularidade da narração de histórias nos Estados Unidos levou a que as indústrias da publicação e do cinema prosperassem. O poder da indústria cinematográfica na Índia está relacionado com a paixão pela dança e pelo canto na cultura indiana. Filmes sobre poderes sobrenaturais são sobretudo populares na Tailândia devido ao sistema de valores e ao contexto cultural do país. No Japão e na Coreia do Sul, a explosão da indústria cinematográfica é um reflexo da história política e económica recente e da interacção com culturas estrangeiras.


Pode falar-se num ciclo virtuoso quando a indústria cinematográfica fortalece a cultura local e esta, por sua vez, apoia a indústria cinematográfica. Ao atingir uma determinada dimensão, a indústria cinematográfica vai estabelecer uma espécie de cadeia de produção, em que o trabalho é dividido em diferentes sistemas que estão interligados. Mas como é que se pode equilibrar a cadeia de produção com a distribuição dos lucros? Este é um aspecto muito importante quando se quer evitar divisões e discórdias internas. Só com a existência deste ciclo virtuoso a indústria poderá continuar a atrair profissionais com talento.


Olhando para a Macau de hoje, não existem muitas indústrias com a dimensão necessária para criar uma cadeia de produção industrial. A indústria cinematográfica está a formar-se e ainda não atingiu um estado de maturidade. Mas quem disse que as cadeias de produção têm de ser grandes? É importante que as indústrias encontrem o seu próprio modelo de desenvolvimento. Actualmente, os microfilmes são muito populares em Macau e têm vindo a evoluir em quantidade e qualidade, tornando-se lentamente numa forma de cultura cinematográfica. Os autores destes microfilmes formaram uma pequena rede, apoiando, competindo e cooperando entre si de forma natural. O importante agora é assegurar que este seja um ciclo virtuoso, para que no futuro possa permitir a criação de uma também virtuosa cultura cinematográfica em Macau.