Lam Sio Man

Nascida em Macau, atualmente a viver em Nova Iorque. Dedica-se a exposições independentes, à escrita e ao trabalho em educação artística. Em 2019, foi curadora da Exposição Internacional La Biennale Di Veneza, inserida nos Eventos Colaterais de Macau, China. Trabalhou no Departamento de Assuntos Culturais da cidade de Nova Iorque, no Museu dos Chineses na América e no Instituto Cultural do Governo da RAEM. É licenciada pela Universidade de Pequim em Língua Chinesa e Artes, e mestre em Administração de Artes pela Universidade de Nova Iorque.

Arte pública requer participação pública─Discutindo a arte pública (2ª parte)

25a edição | 02 2018

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Rapariga sem medo, imagem cedida por: Artnet


No ano passado, uma estátua de bronze em forma de uma rapariga em Nova Iorque tornou-se viral entre o público. A pequena rapariga de rabo-de-cavalo, com as mãos à cintura e uma postura erecta, sem medo nenhum, está a olhar até ao fundo da Wall Street para o Charging Bull que representa o poder masculino e o mundo das finanças. Esta representação artística rapidamente atraiu a atenção do público e tornou-se viral nas redes sociais. 


A entidade comercial que comissionou a estátua explicou que a mesma foi feita com vista a encorajar mais instituições financeiras em Wall Street a promover mulheres a quadros superiores de gestão─esta ideia parece ter sido aceite rapidamente pelo público. Muito pouca gente sabe que esta empresa, que é a terceira maior empresa de gestão de activos nos Estados Unidos, contrata um número diminuto de mulheres para os cargos de dirigentes. Ainda menos pessoas sabem que os dirigentes do sexo masculino da empresa queriam colocar uma vaca ao lado do touro em vez da rapariga, embora esta proposta tenha sido rejeitada pelas autoridades e alterada para a actual. 


O nascimento da rapariga destemida e a enorme atenção do público foram além da expectativa da empresa, mas isso não a impediu de utilizar a estátua para promover um fundo sobre este tema, poupando-lhe umas despesas de marketing que rondariam por volta dos sete milhões de dólares americanos. 


É aparente que apesar de ser uma forma de arte a ser exposta no espaço público, a arte pública não deixa de carregar consigo a intenção e as ideias do próprio designer em relação à obra. No entanto, sendo propriedade pública, a voz do público deve ser ouvida aquando da sua construção. O acontecimento inesperado na elaboração da estátua da rapariga corajosa é a prova viva do facto de que as pessoas envolvidas na discussão sobre a produção da arte viriam a influenciar o resultado. Para que a arte pública seja um fruto de um equilíbrio entre os diferentes valores existentes na sociedade, torna-se essencial que o público e os interessados participem na íntegra na discussão do design. 


Pessoalmente participei num workshop presidido pelo responsável do programa "Percent for Art" do governo da cidade de Nova Iorque, cujo objectivo é simular o debate em painel sobre projectos do programa referido. No workshop, diferentes partes expressaram as suas opiniões por turnos. Uma participante no workshop fez de forma dramatizada o papel de representante do departamento de polícia, entidade que comissionou a obra, afirmando ininterruptamente que a estátua candidata tinha um ar de mafioso e que ela, como representante da polícia, não queria ver esse tipo de arte à porta da esquadra... 


A sala inteira começou a rir depois de assistir à sua interpretação da representante da polícia. Apesar do entretenimento, o responsável do programa "Percent for Art" comentou que a cena foi bastante realista. Em sessões de debate em painel como esta, haveria sempre um conjunto de opiniões diversas, sendo algumas das quais subjectivas, outras até mais fechadas em termos de perspectivas, mas o objectivo da discussão é dar às diferentes vozes a oportunidade de expressar as suas ideias e preocupações, fazendo com que o design final reflicta valores diversos. 


Este processo enquadra-se exactamente no objectivo final do "Percent for Art" de Nova Iorque, que é permitir que a arte pública represente realmente os valores nucleares da cidade: diversidade, inclusividade, criatividade e energia. 


No presente, o "Percent for Art", com apenas três funcionários, está a trabalhar para gerir mais de cem projectos de arte pública planeados. O responsável afirmou que se realmente houvesse uma estratégia, esta seria permitir a diferentes partes interessadas (entidade que comissiona a obra, produtor, artista e o público em geral) expressarem as suas vozes e contribuírem para os projectos de arte pública. Para facilitar a participação de comunidades na discussão, são ainda organizadas sessões à noite, em zonas residenciais nestas comunidades. 


Sinceramente, aprecio um mecanismo deste género, que permite ao público em geral participar na discussão sobre instalações de arte pública. Por um lado, este mecanismo possibilita que a arte pública corresponda mais à vontade da população, e contribui, por outro, para um entendimento mútuo entre diferentes partes interessadas com valores divergentes através do ambiente de discussão racional resultante. Além disso, o próprio processo inspira a imaginação dos residentes em relação às suas comunidades e fortalece ainda a união das mesmas. Estes são os benefícios ocultos que a arte pública pode trazer às comunidades.