Mok Sio Chong

Programador de Teatro, crítico e dramaturgo, pau para toda a obra, mestre de nenhuma. Vegetariano e abraçador de árvores.

Onze anos depois

1a edição | 01 2015

Sou possivelmente um exemplo de alguém que falhou nas chamadas “indústrias criativas” – se é que se pode dizer que alguma vez tivesse estado envolvido em qualquer coisa do género.


A loja de artesanato que ajudei a abrir fechou há dois anos. Actualmente giro um pequeno teatro, com poucas produções, bem como um alfarrabista que faz muito pouco em termos de lucro. Também vivo da escrita criativa, escrevo algumas histórias e consigo algum dinheiro como freelancer para várias publicações – como esta que estão a ler agora. Sou um verdadeiro pau para toda a obra e mestre de nenhuma delas. Não tenho férias pagas, nem idade para a reforma, não tenho tempo para ver TV à noite ou para jantar com a família.


Em 2003, deixei o funcionalismo público onde estive durante seis anos e comecei uma carreira de trabalhador independente no sector artístico e no ensino. Tenho dois livros de recibos fornecidos pela Direcção dos Serviços de Finanças, um para registar os honorários como “professor” e outro para os rendimentos auferidos como “Titular de Diploma do Ensino Superior”. Foi assim, na posse destes documentos, que comecei a trabalhar para teatro. Como residente de Macau e a trabalhar em teatro, penso que posso ser considerado parte da segunda geração de profissionais deste género. Tomei a decisão pouco depois de Macau sofrer com a crise financeira asiática. À época ganhava mais de MOP20.000 por mês, sem ter qualquer experiência profissional anterior. Quando deixei este emprego bem pago, muitas pessoas acharam que eu tinha enlouquecido de vez. Depois disso, tentei por todos os meios possíveis manter o mesmo nível salarial no mundo do teatro. Não tinha um salário base, nem tampouco todos os benefícios de um funcionário público, mas o que comecei a ter foi muito mais tempo para mim. Aqueles que entendem o que quero dizer saberão o valor da liberdade.


No entanto, apenas porque se tem muito tempo livre, não significa que se seja instantaneamente feliz ou mesmo livre. Algumas pessoas dizem que ter um emprego significa que o patrão está a pagar em primeiro lugar pelas nossas qualificações académicas, não pelas nossas capacidades. Ao fim de algum tempo, o patrão começa a pagar pelo nosso tempo, o direito de gerir esse tempo e até mesmo o nosso estilo de vida. Quando finalmente se está fora de uma empresa ou instituição que domina e administra o nosso estilo de vida, significa que temos de recuperar o controlo total sobre o tempo, a vida, as crenças e valores. Deixa de ser possível culpar o chefe para descartar responsabilidades e encobrir erros.


De repente, estando na posse de todo esse tempo livre, mais pessoas vão contactar-nos e saber se queremos fazer algum dinheiro extra. Desde a infância que somos levados a acreditar que “tempo é dinheiro” e a tendência é aceitarmos todas as ofertas, desde que tenhamos tempo, mas com baixos rendimentos. Aceitamos tudo e no final temos o tempo preenchido e ainda com sobreposição de tarefas. Começa a faltar fôlego, mesmo para os trabalhos mais pequenos, o salário continua instável e continuamos a não nos sentirmos livres. Então, antes de aceitarmos qualquer proposta de trabalho, gradualmente vamos aprendendo a dizer “deixe-me ver a minha agenda e volto a contactá-lo”.


Afinal, não é assim tão fácil ou divertido gerir o nosso próprio tempo. Para um freelancer a trabalhar em teatro, que estilo de vida é o mais adequado? Como devemos viver e manter as nossas crenças e valores? Com certeza que ter um emprego a tempo inteiro, e permitir ao patrão que gira o nosso tempo, pode aliviar a necessidade de pensar nestas questões.


Já passaram 11 anos mas ainda sinto que a pessoa que sou hoje continua em permanente diálogo com a pessoa que eu era em 2003.