Arts Delivery: formas criativas e performativas nascidas no contexto da pandemia

07 2021 | 45a edição
Texto/Sara Lo

Diz-se muitas vezes que o teatro é uma arte minoritária. A dimensão populacional de Macau tornou o público de teatro pequeno e a comercialização do mesmo tem sido difícil por muitas razões. Mesmo após dois a três meses de desenvolvimento e aprofundamento, muitas produções com grande potencial terão apenas três a cinco actuações no final, e o público será limitado. A fim de sustentar a vida das suas produções, e de permitir que os artistas e criadores desenvolvam os seus pontos fortes e as suas forças através de recriações, para que a indústria possa continuar a desenvolver-se, e para acumular energia criativa enraizada na comunidade local, muitos grupos artísticos começaram a fazer outras experiências, e novos caminhos têm gradualmente emergido. Alguns grupos de teatro optaram por entrar na Área da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau para criar mais espaço para o desenvolvimento através de uma maior base de público e de uma rede de teatro; algumas pequenas mas requintadas equipas de produção conseguiram, com o seu engenho, levar as artes performativas até perto do público; e alguns grupos de dança insistiram e persistiram até criarem uma obra que, em quatro anos, ganhou o seu reconhecimento.


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“Chefe, alguém está a encomendar take-away!” 


É a voz familiar de uma encomenda de take-away que se ouve sempre num restaurante de Macau. Mas desta vez não é só comida, é uma actuação de arte! Após a estreia de F’art for U, organizada pelo Estúdio de Arte de PO, no Festival Fringe da Cidade de Macau em Janeiro deste ano, esta recebeu muita atenção e foi mesmo convidada pelos produtores de Hong Kong para ser uma das actuações no Hong Kong Arts Festival @ TaiKwun, em Junho. O espectáculo estava originalmente programado para uma digressão por Taipé em Setembro, com vista a participar no Festival Fringe de Taipé e cooperar com uma grupo de arte local, todavia, devido à epidemia, ainda é incerto se irá a Taiwan.


Leong Son U (Sam) é membro criativo do Estúdio de Arte de PO e o director criativo do F’art for U. Recorda que, na versão da estreia em Macau, o modelo de funcionamento da actuação F’art for U foi o seguinte: o público tinha de pedir uma encomenda de um comerciante designado na plataforma de takeaway e comprar uma “performance artística” de três a cinco minutos com o preço de MOP19. A equipa ofereceu quatro opções da performance—música, teatro, ópera e dança—e recebeu cerca de 15 encomendas por dia em cada categoria principal, dando-lhes mais de 300 actuações para apresentar em cinco dias. Por detrás destes números loucos, há também muito espaço para a interpretação desse facto: quanto vale uma actuação? O modelo de “performance à porta” aproxima realmente o público das artes?


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Leong Son U (Sam), membro criativo do Estúdio de Arte de PO e director criativo do F’art for U.     Foto cedida pelo entrevistado


Os pensamentos de Sam foram também muitos antes e depois das actuações. Nos tempos actuais de pandemia, o facto de que os grupos de artes e teatro de todo o mundo estão a colocar as suas actuações passadas na internet para o público apreciar, fá-lo pensar na característica “presente” que as artes performativas sempre enfatizaram. O surgimento da nova forma performativa que F’art for U trouxe, também causou muito impacto nas audiências locais. Algumas pessoas enviaram-lhe e-mails e criticaram-no por fazer artes performativas “tão baratas”, enquanto outras telefonaram ao organizador para se queixarem porque não tinham conseguido obter bilhetes durante vários dias seguidos. Face às reações polarizadas do público, Sam disse que o grupo começou com uma mentalidade experimentalista ao realizar essa nova forma performativa: “Quando as actuações ficam bastante baratas ou os artistas estão dispostos a actuar a um preço baixo, será que as pessoas ainda se preocupam com a arte?”


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Sam revela que o grupo começou com uma mentalidade experimentalista ao realizar o F’art for U, para testar a resposta da audiência a essa nova forma performativa. “Quando as actuações ficam bastante baratas ou os artistas estão dispostos a actuar a um preço baixo, será que as pessoas ainda se preocupam com a arte?”     Foto cedida pelo entrevistado


F’art for U é um produto de arte criado num momento específico dos tempos actuais. A popularidade dos takeaways, o bombardeamento de publicações dos trendings nas redes sociais, e a forte curiosidade das pessoas com o surgimento das novidades, contribuíram em conjunto para a popularidade da actuação. Quando a digressão foi para Hong Kong, também gerou muita discussão e o número de encomendas aumentou diariamente, de 40 no início para 110 no último dia. Depois de aprender com a experiência de Macau, a versão do espectáculo de Hong Kong foi renomeada Arts Delivery, e foram feitos muitos ajustamentos ao conteúdo, tais como: eliminar os arranjos alimentares e permitir que o público se concentre no espectáculo; nomear cada tipo de projecto para aumentar a imaginação do público e fazer-lhe uma surpresa; dispor as actuações em diferentes cantos do edifício Tai Kwun, a fim de eliminar o tempo de viagem pela cidade e permitir aos artistas concentrarem-se na actuação. Ao mesmo tempo, neste formato, a equipa também comunica com os actores para tentarem aumentar ao máximo a interação com o público. Embora em algumas actuações, os actores e o público estejam na realidade separados fisicamente por placas de plástico, continuam a querer estar o mais próximo possível um do outro em termos da sua relação performativa.


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A versão de Hong Kong do Arts Delivery, onde os membros da audiência utilizam o WhatsApp para pedir encomendas. As actuações são realizadas em 14 locais específicos no edifício Tai Kwun.     Foto cedida pelo entrevistado


Depois das actuações nos dois lugares, Sam acredita que a maior diferença entre Arts Delivery e outras digressões no exterior situa-se na integridade da performance pois o que eles apresentaram é apenas o enquadramento da produção. Desta vez, apenas dois membros da equipa criativa necessitaram de viajar para Hong Kong, e os actores do teatro foram recrutados na comunidade local, o que tornou o trabalho como um todo mais reflexivo do carácter local e mais representativo em termos da característica da cultura local por meio da participação dos actores locais. Da última vez, recrutaram um total de 15 grupos de artistas de Hong Kong, dos géneros mais comuns aos mais recentes, tais como esgrima, salto de corda e pantomima para duas pessoas, o que mostra que a actuação de rua é mais prevalecente em Hong Kong e que o público está habituado a ver formas mais diversas de actuação. Sam, que também é designer de iluminação, esteve no passado em digressão no estrangeiro com diferentes grupos artísticos. E lembra que factores como os tempos apertados de montagem e desmontagem e os equipamentos que não cumpriam os requisitos podiam afectar a integridade da produção. Contudo, descreve a forma performativa do Arts Delivery como “uma fórmula que pode ser aplicada a diferentes regiões”, que é diferente de outros métodos de produção e pode ser mais favorável a desempenhos no estrangeiro ou à colaboração, a longo prazo, com diferentes regiões.


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A realização do Arts Delivery está concentrada no edifício Tai Kwun, que tem um espaço maior, uma gama mais diversificada de espectáculos e mais interacção com o público.     Foto cedida pelo entrevistado