Proteger os Direitos de Propriedade Intelectual dos Produtos Criativos

08 2017 | 22a edição
Texto/Lai Chou In

Marcas internacionais como New Balance, Apple e Tesla têm vindo a travar batalhas no interior da China pelas suas marcas comerciais. Os custos dos litígios podem ascender a milhares de milhões de patacas e, em casos mais extremos, outro tanto pode ter de ser pago em indemnizações. Será a questão totalmente irrelevante para as indústrias criativas em Macau? Provavelmente, não. Os direitos de propriedade intelectual são muito importantes para nós, mas pouco sabemos do que realmente tratam. Por isso, convidámos representantes da JOC Square e da Hylé Design Macau a partilhar as suas experiências no registo de marcas e patentes em Macau e no interior da China. São também facultadas informações relevantes sobre os pedidos de registo em Macau. Qual o bem mais valioso de uma marca? A própria marca, obviamente.

 

Hylé Design Macau: solicitar patentes para proteger a propriedade intelectual   O ABC da Propriedade Intelectual


JOC Square: a disputa pela “Batata”

 

Na cidade velha da Taipa, preenchida por espaços de venda de lembranças e por restaurantes, é fácil encontrar uma loja que não coincide com os edifícios de estilo português em seu redor. Com tonalidades em preto e branco e um estilo simplista, a loja é chamada de JOC Square mas, do exterior, pode ser difícil dizer o que disponibiliza. “Na verdade, não temos muitos produtos para vender. O que vendemos é uma essência”, revela Joaquim Cheong, conselheiro criativo da JOC Square. No entanto, na realidade, é mais fácil dizer do que fazer.

 

A JOC Square vende, sobretudo, produtos desenhados por ela mesma, especialmente a série “Batata”, que consiste em artigos como postais, bolachas e t-shirts. O logótipo é um par de batatas a beijarem-se. Ao contrário da maioria das marcas da área criativa em Macau, a JOC Square já tinha registado a marca “Batata” no território antes da abertura da loja, no final de Dezembro do ano passado. Como a empresa prevê entrar no mercado do interior da China, também apresentou pedidos às respectivas autoridades para registar a marca, de modo a evitar uma apropriação indevida do logótipo.

 

Em Agosto do ano passado, antes de o pedido de registo em Macau ser aprovado, solicitámos a um advogado que registasse a marca ‘Batata’ nas categorias de alimentação e de t-shirt. Acreditámos que isso dava garantias suficientes. Não sendo uma grande marca, o registo em duas categorias pareceunos o bastante.” Estavam, porém, longe de pensar que uma batalha pela propriedade intelectual estava prestes a começar.

 

Quatro meses depois de a JOC Square ter enviado o pedido às autoridades do interior da China, uma empresa de música em Pequim apresentou pedidos similares de registo nas categorias de alimentação, vestuário, papel e jóias, etc. “Eles também usam o nome português Batata, embora o nome chinês seja Bantata. A marca é muito semelhante à nossa, com uma forma similar, ainda que tenham sido adicionados membros ao corpo, para que os elementos pareçam dançar. O nosso advogado no interior da China considerou o caso muito estranho e pensa ser bem provável que eles estejam a planear apropriar- se da marca. Ora vejamos: por que razão ia uma empresa de música querer usar o nome de ‘Batata’ para produzir bolachas e roupa? No interior da China, o princípio do registo de marca comercial dita que “o primeiro a chegar é o primeiro a ser servido”. A parte que enviar o pedido primeiro tem o direito à marca se esta for aprovada, independentemente de lhe vir a dar uso ou não. Quem utiliza pela primeira vez a marca ou quem a criou não é tido em conta. O sistema acaba, pois, por ser apropriado por um grupo de ocupadores de marcas que submete pedidos de registo de marcas comerciais ainda não registadas no interior da China.

 

Geralmente, demora um ano até se obter a aprovação de um pedido no interior da China. Cheong revelou que ainda estão a aguardar os resultados, mas acredita que a marca “Batata” pode ser registada com sucesso nas categorias de alimentação e de t-shirt, do mesmo modo que a empresa com sede em Pequim pode conseguir o registo noutras categorias como papel e jóias. “Se assim for, não podemos imprimir ‘Batata’ na embalagem das nossas bolachas. Sentimo-nos tão impotentes.” Cheong referiu ainda que, se um produto é fabricado ou processado no interior da China, existe o risco de um processo por violação de direitos. “Temos sido muito cuidadosos ao lidar com este assunto mas, por mais cautelas que tenhamos no planeamento, não é possível evitar todos os riscos. Consideramos que, quando a nossa marca foi registada em Macau e divulgada na internet, a outra parte procurou informações sobre a empresa e descobriu que temos potencial de crescimento. Estamos tristes, naturalmente, e sentimo-nos desamparados perante a situação. Por outro lado, se alguém copia o nosso trabalho, isso de alguma forma prova que temos talento”, declara com um sorriso apagado.

 

Cheong é um designer veterano premiado em Macau. O início de “Batata” tem raízes nos dias de escola vividos em Portugal na década de 1990. Ele ouvia com frequência os jovens portugueses descreverem uma pessoa simples como “Batata”, o que achou divertido. Como ele próprio adora batatas, criou o logótipo. Em 2000, concebeu t-shirts com o logo e vendeu-as em Macau. Mas, agora, todos os esforços que fez nos últimos 20 anos podem ir por água abaixo.

 

Segundo Cheong, a empresa com sede em Pequim ainda não contactou a JOC Square sobre o assunto. A sua decisão é de não pagar para reaver o direito de usar a marca. “Mesmo que eles sugiram, por exemplo, uma taxa de 30.000 patacas para comprar os direitos, não vou aceitar a proposta. Prefiro mudar o nome da marca. Se eu aceitasse tal oferta, estaria a incentivá-los a continuar com esta prática.” A JOC Square está preparada para ir à luta e, no pior dos casos, a marca “Batata” será rebaptizada.

 

Após este incidente no interior da China, e para jogar pelo seguro, a JOC Square ampliou o registo de “Batata” de duas para dez categorias em Macau. “Contratámos um advogado para tratar dos nossos pedidos. É preciso pagar uma taxa de 5.000 patacas (1.000 patacas, se for o próprio a solicitar) por cada categoria em Macau, enquanto no interior da China os valores são de 1.000 a 2.000 yuan. Se, tal como fazem as grandes marcas, se proceder ao registo da marca e dos elementos gráficos separadamente, são necessários pelo menos cem mil patacas, o que é demasiado para qualquer startup criativa. É impossível conseguir tanto dinheiro para pagar o registo quando os produtos ainda nem estão terminados.”

 

Actualmente, no âmbito do Acordo de Estreitamento das Relações Económicas e Comerciais entre o Interior da China e Macau, os dois territórios comunicarão bidireccionalmente sobre a questão das marcas comerciais. As autoridades em ambos os locais realizarão regularmente seminários e reuniões para permitir que as empresas aprimorem o seu conhecimento do registo de marcas nos dois lados. Sob este acordo, Cheong sugeriu que fosse possível proporcionar mais conveniência às empresas criativas em Macau. Por exemplo, se uma marca estiver registada em Macau, apenas é requerido um pedido simplificado no interior da China para que a marca aí seja registada. Ao fazê-lo, os riscos de uma marca ser usurpada podem ser minimizados.

 

No entanto, ele acredita que o mais preocupante é as indústrias criativas em Macau não possuírem um conhecimento aprofundado sobre direitos de propriedade intelectual, não protegendo as marcas. O governo deve levar a cabo mais iniciativas para elucidar as empresas e fornecer apoio técnico e financeiro. “A protecção de uma marca é muito importante. Se uma marca for usurpada, o seu esforço é completamente desperdiçado, independentemente de quão boa ela seja.”