Lungs: o teatro experimental em Macau e como uma peça de êxito ganha vida

04 2015 | 4a edição
Texto/Si Wong

Johnny Tam é o director do Grupo de Teatro Experimental Pequena Cidade. Algumas das peças que dirigiu recentemente, como Dear Yelena Sergeyevna, The Golden Dragon e Madame Butterfly, foram aplaudidas pela crítica, e Lungs foi um sucesso de bilheteira. Na secção “Diálogo” deste número, Tam partilha connosco a sua visão sobre o desenvolvimento do teatro experimental em Macau.


T: Johnny Tam

L: Lei Chin Pang, crítico cultural


L: Lungs esteve em cena durante muito tempo, o que é pouco comum em Macau. Ao todo, foram feitos 13 espectáculos. Quantos espectadores assistiram a esta peça?


T: O espaço do Edifício do Antigo Tribunal pode receber 120 pessoas, portanto, ao todo assistiram aos espectáculos 1200 pessoas.


L: Parece bastante para uma peça de teatro experimental em Macau.


T: Sim, fizemos 13 exibições. As pessoas começaram a falar desta peça e foi assim que se foi atraindo mais público. Nos últimos oito espectáculos tivemos casa cheia. Acredito que se tivéssemos organizado três espectáculos num auditório de 400 lugares, não teria tido tanto impacto. Isto porque se vendessemos 70 por cento dos bilhetes para o primeiro espectáculo, e mesmo tendo boas críticas nos dois primeiros espectáculos, o público interessado não teria mais oportunidade de assistir à peça.


L: Se mil pessoas comprarem um livro de um autor local em Macau, já é considerado um bestseller. Lungs teve excelentes críticas. Isto pode permitir o desenvolvimento de algo de novo no futuro?


T: Já discutimos entre nós isso mesmo, isto é, se seria possível manter em cena um espectáculo sem financiamento ou subsídios. O produtor fez alguns cálculos e concluímos que, a menos que o espaço possa receber 200 pessoas, é impossível tornarmo-nos auto-sustentáveis.


L: O que é que quer dizer com “auto-sustentável”? Significa que a equipa criativa e os actores vão ser remunerados?


T: Sim, mas mesmo assim a remuneração não será entusiasmante. O Edifício do Antigo Tribunal é gerido pelo Instituto Cultural de Macau. Não precisamos de pagar renda, mas por cada espectáculo que fazemos temos de pagar a utilização do auditório e a iluminação. Temos de pôr de lado algum dinheiro para estas despesas.


L: Acha que os grupos de teatro em Macau se podem tornar profissionais?


T: Se uma companhia de teatro tiver em cena quatro peças por ano, sendo que duas delas são repertório e pelo menos uma é experimental, então é possível que venha a tornar-se profissional.


L: Olhando para o exemplo do Lungs: mais de mil pessoas estão dispostas a pagar um valor superior a 100 patacas para ver uma boa peça que, além disso, está em cena no Edifício do Antigo Tribunal e não num antigo edifício industrial, o que é muito prático. Vê alguma mudança nos hábitos de consumo de teatro em Macau?


T: À semelhança dos espectadores que encontrei nos Cinemas UA, muitos dos consumidores são jovens trabalhadores. É um público diferente dos aficionados do teatro que encontro nos edifícios industriais. Têm como hábito ir ao cinema e assistir a concertos, embora agora nos tenhamos apercebido de que, se a mensagem de que uma peça vale a pena se espalha, estas pessoas estão dispostas a comprar bilhetes e a assistir ao espectáculo.


L: Tem boas perspectivas quanto ao crescimento deste novo grupo de consumidores?


T: Uma companhia de produção chinesa fez uma vez uma observação: aqueles que vão ao teatro também costumam frequentar cafés e têm idades e profissões semelhantes. Em Macau, os cafés estão a abrir em todo o lado e a atrair um grupo emergente de pessoas que procuram um estilo de vida “boémio de classe média”. O que estou a pensar é: será a ida ao teatro uma opção para este grupo? Há poucos anos, o espectáculo Design for Living, de Edward Lam, foi apresentado em Macau. Os cinco mil bilhetes foram todos vendidos. Cinco mil pessoas pagaram para ver este espectáculo!


L: Cinco mil em Macau é o equivalente a 60 mil em Hong Kong. É como subir ao palco do Coliseu de Hong Kong! Actualmente, muitas cidades no mundo estão a criar áreas culturais e criativas, onde se encontram galerias, teatros e também restaurantes sofisticados, cafés e lojas. Estas áreas podem facilitar o consumo cultural e dar apoio às diferentes indústrias culturais. Como vê esta possibilidade no contexto de Macau?


T: Se esta área estiver direccionada para a população local, então estou completamente de acordo. No entanto, existem poucos espaços em Macau para a população de Macau. Por alguma razão, estes projectos fazem geralmente parte de um desenvolvimento turístico e isto pode não ser o ideal para a população local. Na realidade, depende de se autoridades têm ou não coragem para desenvolver uma área cultural “livre do turismo”, ou se pelo menos conseguem encontrar um equilíbrio entre os dois.


L: Isto leva-nos a uma outra questão: como pode o turismo apoiar o desenvolvimento das indústrias criativas em vez de as prejudicar? Os visitantes do Interior da China têm “tomado” Macau. Como pode Macau atrair visitantes com um maior nível de exigência? Pensando no exemplo de Taipé, os visitantes de Hong Kong e de Macau vão até à emblemática livraria Eslite e apercebem-se que todos têm o direito de aproveitar em conjunto este espaço e não de “ocupar” ou “destruir” esse local.


T: Participei recentemente no Festival de Teatro de Wuzhen. Existem muitas pousadas em Wuzhen. Ao contrário de Macau, onde uma noite de hotel custa o mesmo que uma viagem de avião para a Tailândia, em Wuzhen os preços da estadia são acessíveis. Seria óptimo se pudéssemos olhar para o exemplo desta cidade orientada para o turista quando consideramos desenvolver a nossa própria área cultural. Temos de criar mais opções para os nossos turistas culturais.


L: O Edifício do Antigo Tribunal já acolheu grandes exposições e excelentes peças de teatro. Uma pessoa pode, por exemplo, ir beber um café antes do espectáculo começar e, quando termina, também é fácil encontrar um sítio ali perto para jantar. Existe, além disso, um parque de estacionamento nas imediações. Poderia ser o Edifício do Antigo Tribunal o potencial centro cultural e criativo de Macau?


T: Por enquanto é o melhor candidato. Na realidade, há ainda muito espaço disponível no edifício. Utilizamos apenas a antiga sala de audiências como auditório de teatro. A cobertura do edifício também oferece uma boa vista e ainda tem uma cave. Se todo o espaço for utilizado, acredito que eventualmente se possa vir a tornar num centro de arte. Isto vai atrair artistas de fora e haverá espaço suficiente para residências de artistas. Isso facilitaria o intercâmbio artístico e cultural com as comunidades artísticas estrangeiras.