SiSi Chang

Escritora freelancer. Mestre em Artes pela Universidade Nacional de Arte de Taipé, Instituto Superior de Estudos Teatrais. Chang olha para a viagem como uma disciplina e, cada vez que se encontra num sítio desconhecido, aprende a olhar para as coisas de uma perspectiva diferente. Amazing Australia, An In-Depth Guide to Angkor e Lonely Planet IN Series: Taiwan são alguns dos trabalhos publicados pela autora.

Recortes de Foshan: como as artes populares se mantêm vivas

12a edição | 12 2015

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A população de Foshan orgulha-se das suas artes populares, e na terra natal de Wong Fei Hung estas encontram-se em todo o lado: cerâmica, bordados, artesanato em bambu e sedas. Muitas pessoas passeiam pelas lojas, mas poucos são os que consomem. As lojas de recortes de papel atraem ainda um maior número de pessoas; pais e filhos amontoam-se à volta de uma pequena mesa. Depois de fazer umas perguntas sobre as aulas de bordados, fui até uma loja de papel recortado ver se encontrava algumas lembranças para oferecer.


O preço não era propriamente o desejável. Os trabalhos de papel recortado com moldura eram muito pesados e não os podia levar numa mochila. Os que não tinham moldura eram muito grandes. A vendedora sugeriu a compra de um pequeno recorte de papel por 10 yuan, com a imagem dos signos do zodíaco para oferecer a crianças, para que desta forma comecem a entender a arte do papel recortado. Eu sorri e disse: “Com milhares de anos de história, tenho a certeza que os recortes de papel em Foshan têm uma abundância de desenhos clássicos. Já pensaram em modernizar alguns dos desenhos, usando, por exemplo, o corte a laser para produzir alguns enfeites contemporâneos, ou mesmo apenas cartões-de-visita e etiquetas?”


Deixei de fora as fitas decorativas de papel, um dos artigos de papelaria tradicionais mais vendidos este ano.


No início ela não entendeu o que eu queria dizer. Depois de explicar novamente, ela finalmente compreendeu e respondeu-me com inquietação e quase como se estivesse ofendida: “Todos os nossos artigos foram feitos à mão, não por máquinas! E todos os padrões são desenhados à mão. Se você os tivesse feito à mão, tal como nós fizemos, entenderia por que razão são tão caros”.


Em Taiwan, nos anos 1980, os estudantes tinham aulas de recorte de papel, que eram levadas muito a sério pelas escolas. As papelarias vendiam todos os tipos de padrões de papel recortado, desde desenhos clássicos chineses até imagens mais modernas, como figuras de banda desenhada ou ídolos pop. Terminar um trabalho de papel recortado em apenas um período escolar era uma conquista, embora alguns dos estudantes mais talentosos conseguissem produzir uns quantos. Eles podiam depois emoldurar os trabalhos finais e exibi-los pela escola. Estes alunos tornavam-se estrelas.


Hoje em dia é quase impossível encontrar trabalhos de papel recortado. Antigamente, os recortes eram colados nas janelas, mas hoje já ninguém o faz. Regressaram entretanto de outra forma: nas paredes.


Quando vi pela primeira vez decorações de parede, pensei em recortes de papel. Se houvesse uma forma de combinar o recorte de papel com a decoração contemporânea das casas e utilizar máquinas para produzir pelo menos alguns dos recortes, poderíamos então incorporar o papel recortado na nossa vida quotidiana, e torná-lo numa forma de arte mais duradoura e sustentável. Assim que uma variedade de artigos esteja disponível, alguns consumidores vão exigir maior qualidade e quantidade de produtos, e procurar alternativas mais tradicionais e feitas à mão, ajudando a manter todo o mercado.


As artes populares têm de ser parte integrante da estrutura da vida quotidiana. Se estiverem desligadas da vida das pessoas, os consumidores vão sentir que não têm uma relação com o produto e não vão querer comprá-lo. O princípio básico das indústrias culturais e criativas é a adaptação de belas tradições do passado ao mercado actual, em vez de permitir que percam relevância e estejam confinadas a museus obsoletos.


Com isto não se pretende dispensar os conhecimentos dos artesãos. Mas a verdade é que à medida que o custo de vida aumenta, o custo da produção destes artigos também vai aumentar. É necessário muito tempo para concluir um recorte de papel de grande dimensão; e, entretanto, o artista continua a ter os seus custos de vida. Quantos consumidores estão dispostos a pagar esse preço? À medida que a procura diminui, os profissionais vão ver o seu rendimento decrescer e, se também as suas capacidades desaparecerem, então será uma verdadeira tragédia. Expandir a linha de produtos, incluindo artigos secundários de custos inferiores, para apoiar os produtos mais difíceis, é uma alternativa viável a considerar.


Espero que os cartazes e pinturas do Ano Novo Chinês, trabalhos de papel recortado, e ainda todas as outras maravilhosas artes populares consigam acompanhar o ritmo de mudança do mundo moderno e sejam transportadas para as gerações futuras.