Yap Seow Choong

Yap é um aficionado do design, das viagens e de tudo o que é belo na vida. Escreve para várias publicações sobre viagens e design e tem vários livros publicados, dos quais se destacam Wander Bhutan e Myanmar Odyssey. Antigo editor da Lonely Planet China, Yap é agora o principal responsável por todos os conteúdos da Youpu Apps, uma empresa de aplicações sediada em Pequim.


Cidades habitáveis

31a edição | 02 2019

Depois de chegar em Chicago vindo do centro da América do Sul, não tive escolha a não ser abrigar-me em ambientes fechados, já que o clima não era amigável na cidade. Ainda nevava em Abril, quando deveria estar quente.


Chicago renasceu de um famoso incêndio de grandes dimensões que quase reduziu a cidade inteira a cinzas há 150 anos. Mas a crise transformou-se em oportunidade. Chicago teve a oportunidade de se reconstruir. Os seus famosos arranha-céus foram todos construídos após o incêndio. Mas o tempo aqui em Chicago é bastante extremo. O vento é muito forte e parece que alguém nos está a dizer para entrarmos nos prédios e descobrirmos as pérolas escondidas. Foi este o caso comigo. Se não fosse pelo vento, não teria descoberto o incrível design interior dos arranha-céus.


Na margem do rio há um prédio de vidro quase transparente com um estilo arquitectónico muito familiar. É uma nova loja da Apple projectada por Norman Foster. O edifício tem um design simplista e adopta muitos materiais de vidro, um design que preserva o cenário original da zona ribeirinha. A área de descanso está projectada para dentro e fora da loja. As pessoas podem comprar gadgets ou apenas desfrutar da paisagem junto ao rio. Sem o mau tempo, Chicago é uma cidade bastante habitável. Para experimentar o quão habitável a cidade é, fiz uma visita ao 606, um viaduto elevado convertido a partir de uma linha de comboio. O 606 não apenas liga diferentes bairros, mas também proporciona às pessoas em Chicago um bom destino para relaxar. O projecto também aliviou a pressão sobre os transportes em Chicago. Muitas pessoas vão de bicicleta até ao seu local de trabalho através deste corredor verde. É claro que pessoas diferentes terão padrões diferentes para avaliar se uma cidade é habitável ou não. Eu sinto sempre que se é possível andar de bicicleta, correr ou simplesmente caminhar até ao local de trabalho, então trata-se de uma cidade decente.


Se você viajar até Chicago um dia, tem de visitar o conceituado Instituto de Arte de Chicago. Originalmente, tinha planeado visitar o museu durante meio dia, mas percebi que só poderia ter um vislumbre do que o museu tem para oferecer depois de uma visita de dia inteiro. A colecção chinesa do museu é também muito impressionante. Vi muitos artefactos de porcelana da dinastia Song. Estes artefactos parecem ter um design simplista à primeira vista, mas na verdade integram muitos detalhes e têm complexidade, sem cores ou formas que distraiam. É como se estivessem confiantes de que serão notados pela sua verdadeira beleza sem fazer uma cena. A área de exposição chinesa tem muitas colecções incríveis. Mas eu fui atraído por alguns itens aparentemente mundanos. Deparei-me, por exemplo, com uma simples tesoura da dinastia Tang. Perguntei-me quantas pessoas a teriam usado para cortar o cabelo. Isto fez-me lembrar Museu, um poema escrito pela poetisa polaca Wislawa Szymborska: “Por falta de eternidade, juntaram dez mil velharias”.


As pinturas da colecção do museu são obras de arte famosas conhecidas por muitas pessoas. Vi-as muitas vezes em plataformas multimédia, mas apreciá-las ao vivo emocionou-me realmente. Talvez seja também o que se sente quando se está a ler um livro em formato físico e um livro digital. Os Nenúfares de Monet estão também guardados neste museu. Somente quando vemos realmente a obra-prima podemos perceber o quão sensíveis os artistas são à luz e à sombra. As boas obras de arte são intemporais e podem tocar pessoas em diferentes partes do mundo. Ao observar de perto a pintura, podemos ver as faíscas que Monet pintou e que parecem irradiar uma luz diferente. Se apreciarmos a pintura à distância, a luz e os pontos fundir-se-ão e tornar-se-ão numa cena de nenúfares.


IMG_9034.jpg


O famoso trabalho de Edward Hopper, Nighthawks, também está na colecção do museu. Amo Hopper enquanto pintor pela solidão radiante das suas pinturas. Há quatro pessoas na pintura. Elas parecem caladas, sentadas silenciosamente num restaurante. Talvez esta seja a maior solidão que se pode experimentar. Estamos rodeados de pessoas, não podemos viver sem pessoas, mas as pessoas não querem saber de nós. Os humanos são animais sociais. Mas é verdade que tendemos a sentir-nos sós mais facilmente quando estamos numa multidão. O pintor usou cores e um layout absurdos para ilustrar o contraste. Quando estamos a viajar, haverá um momento especial em que nos sentiremos apaixonados por aquele lugar e decidiremos que aquela é uma boa viagem que valerá a pena recordar. Para mim, este foi o momento especial em Chicago.