Ron Lam

Escritora a residir no Japão, especializada em design, lifestyle e jornalismo de viagem, Ron trabalhou anteriormente como editora das revistas MING Magazine, ELLE Decoration e CREAM.


Fanzines do Japão

5a edição | 05 2015

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A Kage era uma livraria a que eu adorava ir quando estudava em Quioto. Não estava particularmente interessado nas secções de música ou de pequenas lembranças, mas algumas das estantes perto da saída tinham montes de revistas japonesas. Era dessas que eu mais gostava.


Em Hong Kong, mesmo quando ainda não lia japonês, já adorava revistas japonesas. Eu pensava que sabia muito sobre revistas japonesas mas, quando entrei na Kage ou na Keibunsha, apercebi-me do pouco sabia. Existem vários fanzines independentes no Japão – pequenas publicações com apenas algumas dúzias de páginas A5 agrafadas. São difíceis de encontrar, excepto em livrarias independentes.


Um dos fanzines mais conhecidos é o Arne, publicado até 2009 pela artista Ohashi Ayumi. Quando fundou a revista, em 2002, Ohashi já tinha 62 anos. Naquela altura, queria arranjar uma desculpa para conhecer pessoas que idolatrava e decidiu criar uma publicação trimestral. Ohashi Ayumi disse desde o começo que publicaria apenas 30 números da revista, porque havia muita coisa que ainda queria fazer e era necessário estabelecer um prazo limite para que o fanzine lhe deixasse tempo para outros desafios.


Ohashi encarregou-se desde o início da fotografia e do design do Arne. Com formação em design gráfico, a artista sentia-se pouco à vontade com a fotografia, mas no número inaugural entrevistou o designer industrial Sori Yanagi e levou uma câmara compacta amadora. Na realidade, as fotografias permitiram criar uma sensação especial de proximidade entre o leitor e Ohashi. O fanzine também abordava de forma realista temas como a alimentação diária e o vestuário. Ohashi não falava dos restaurantes novos ou daqueles que estavam na moda, não utilizava uma única vez a palavra “fashion” e só fazia referência a roupas de que gostava. Mais do que focar-se no estilo, o fanzine realçava os materiais utilizados e a sensação de vestir uma determinada peça de roupa. Mesmo se fosse uma peça da marca COMME des GARÇONS, este não seria necessariamente um detalhe destacado pela autora. Mais tarde, Ohashi publicou a Adult Style, uma revista direccionada para leitores com mais de 50 anos, e lançou também uma linha de vestuário. Estes dois projectos surgiram na sequência da publicação do fanzine.


Um outro fanzine de que gosto é o Salvia – uma publicação de 32 páginas sobre artesanato. A fundadora e editora Yurio Seki trabalhava inicialmente em publicidade mas, por ser um sector de grande stress e desgaste físico, demitiu-se e decidiu tirar algum tempo para tentar perceber o que gostaria de fazer. Durante este período de descanso, Yurio desenhou imenso e começou a interessar-se por artesanato. Criou a sua própria linha de artesanato, utilizando os desenhos que fazia como imagem de marca. Em 2001, fundou a marca Salvia, colaborando com diferentes criadores de artesanato japoneses na produção de uma série de utensílios domésticos e peças de vestuário. Ao longo deste processo, Yurio aprendeu muito sobre artesanato. A possibilidade de converter materiais comuns em produtos bonitos tocou-a profundamente. Foi então que, em 2006, Yurio Seki decidiu criar um fanzine com o mesmo nome – Salvia –, quer serviu para registar as suas emoções durante o processo de criação do artesanato.


Ouve-se muito falar na forma como a internet destruiu as publicações tradicionais. Mas por vezes é difícil sentir verdadeiramente alguma coisa se não pudermos tocar no papel. As revistas não vão morrer, muito menos estas criações carregadas de afecto e originais que são fruto da paixão dos seus criadores. Esses projectos encontrarão uma forma de sobreviver.