Johnny Tam

Realizador teatral e director artístico do Grupo de Teatro Experimental de Pequena Cidade. Viveu e trabalhou em Xangai e Berlim. As obras recentes incluem O Sr.Shi e o Seu Amante Lungs.


Algo sobre o director artístico

26a edição | 04 2018

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O Centro de Artes Nacional (National Arts Centre, abreviadamente designado por NAC), localizado nas proximidades da margem do Rio Ottawa no Canadá, convida, anualmente, artistas locais e estrangeiros para a criação de novas obras ou reestreias de obras clássicas, de modo a enriquecer o contacto dos residentes da capital com a arte e promover a aceitação e o acolhimento que têm pelas diferentes etnias. Mal se entra no Centro de Artes, pode-se descobrir que o centro é um salão de artes de grande dimensão, com elementos artísticos, exposições de fotografias e espectáculos de música Jazz por todo o lado, e entre estes, há restaurantes e cafés no rés-do-chão do edifício. Sendo assim, este centro, construído em 1969, tornou-se num espaço cultural significativo para os residentes locais. 


Em Janeiro do corrente ano, a obra Mr. Shi and His Lover dirigida por mim (adiante designada por "Mr. Shi"), recebeu, com alegria, o convite de actuação pelo período de duas semanas no pequeno auditório do NAC e, desta forma, tive a oportunidade de observar os detalhes de funcionamento em diferentes estabelecimentos artísticos locais. Na noite da nossa estreia, em que o pessoal trouxe brochuras impressas pelo NAC para o vestiário e depois de ler com atenção, descobri que a directora artística, Jillian Keiley colocou, divertidamente, uma fotografia tirada enquanto esta lanchava com os espectadores, segurando uma chávena de café na mão, acompanhada por uma carta redigida por ela. Nesta carta destinada aos espectadores, ela explicou as razões pelas quais a "Mr. Shi" a deixou comovida e ela, enquanto directora artística, recomendou uma peça não inglesa aos espectadores locais do Canadá. 


Sendo eu um profissional criativo, é natural que fique comovido com esses pormenores, pois sempre que obras de cultura distinta são exibidas no estrangeiro, é fácil que aconteçam situações de inadaptação, destacar-se em vários espectáculos locais já não é fácil, mas o mais difícil é integrar obras no contexto cultural dos espectadores para criar uma distância acessível entre o público e obras. Esta experiência fez-me lembrar dos festivais de artes de que participei em Taiwan e na Inglaterra, nos quais, por falta de contacto com os círculos artísticos locais, as peças exibidas no palco mal foram distinguíveis. Por isso, seria meio caminho andado se as peças exibidas no estrangeiro pudessem ser actuadas em colaboração com entidades artísticas de reputação locais e, além disso, seria fulcral se os directores artísticos das mesmas pudessem dirigir pessoalmente recomendações sobre essas mesmas obras. 


É raro existir em entidades artísticas a nível nacional uma directora artística tão próxima dos espectadores quanto ela, pois até os avisos para os espectadores sobre a nossa peça foram gravados pessoalmente pela Jillian Keiley (normalmente são gravados com uma voz semelhante à das estações de metro). Eu soube que esta é a maneira empregue pelo NAC a fim de se aproximar do público. Na verdade, é desta forma que se cria uma boa relação entre o teatro e o público no Canadá, sendo esta uma das tarefas do director artístico. Quer em Toronto, Vancouver ou Ottawa, cada teatro tem o seu grupo de subscritores (Subscriber) que forma o número básico de espectadores (semelhante aos sócios dos teatros asiáticos) e são estes os clientes que mais frequentam o teatro na estreia de novas temporadas. Portanto a relação entre o teatro e os seus subscritores tem um papel chave como elo de ligação entre o pulso artístico local e a cultura dos residentes do mesmo. Assim que terminou a estreia da "Mr. Shi", a directora artística organizou, intencionalmente, uma sessão de encontro com os espectadores (Reception), aos quais o administrador do teatro apresentou todos os autores teatrais, com o intuito de aproximar o público ao teatro e aos artistas. 


Pelo que é evidente que um director artístico não se limita a ser rico em conhecimentos artísticos, sendo ao mesmo tempo indispensável que seja hábil ao nível das relações públicas. Para que um teatro possa criar uma imagem sólida (o que será tratado nas próximas edições), o director artístico constitui também o símbolo do cerne cultural da imagem do teatro, no qual reflecte o seu intelecto e a sua crença artística. Se o director artístico for, ao mesmo tempo, o encenador e o dramaturgo, ele terá de ser expressive no que respeita à sua obra e capaz de definir nitidamente, em linguagem simples, a sua estética individual característica e a do teatro, de modo a orientar, mediante o respectivo horizonte artístico, a plateia a apreciar e experienciar a singularidade de cada peça.