Lam Sio Man

Nascida em Macau, atualmente a viver em Nova Iorque. Dedica-se a exposições independentes, à escrita e ao trabalho em educação artística. Em 2019, foi curadora da Exposição Internacional La Biennale Di Veneza, inserida nos Eventos Colaterais de Macau, China. Trabalhou no Departamento de Assuntos Culturais da cidade de Nova Iorque, no Museu dos Chineses na América e no Instituto Cultural do Governo da RAEM. É licenciada pela Universidade de Pequim em Língua Chinesa e Artes, e mestre em Administração de Artes pela Universidade de Nova Iorque.

Um item de bônus: o apoio financeiro ao sector de artes e cultura na era pós-coronavírus

40a edição | 08 2020

O Governo da Nova Zelândia anunciou, em Junho, que irá destinar, durante os próximos três anos, mais 4 milhões de dólares neozelandeses à educação artística de jovens, permitindo que mais profissionais experientes de artes trabalhem em escolas, ampliando o acesso das crianças a disciplinas de expressão criativa, como Artes, Dança, Música e Teatro.


Tão logo foi anunciada, a iniciativa do governo neozelandês mereceu a aclamação dos profissionais das artes e da cultura, especialmente no atual cenário mundial, em que o investimento financeiro nesse sector tende a ser reduzido. O Ministro da Educação da Nova Zelândia afirmou: “O programa ‘Criadores nas escolas’ visa ao bem-estar dos alunos e a promover as suas habilidades de comunicação e de colaboração, o pensamento criativo, bem como despertá-los para as carreiras criativas.” Em contraste, a cidade de Nova Iorque, onde estou no momento, já aprovou o orçamento público para 2021 com cortes de 11% nas despesas da cultura, e de 70% nas despesas com a educação pública em artes (cerca de 15 milhões de dólares), o que deixou enormemente decepcionados os sectores locais da educação e das artes e cultura.


As comunidades com rendimento baixo serão as mais afectadas pela redução dos investimentos do governo. Muitas escolas públicas de Nova Iorque contam apenas com limitados recursos públicos e privados para promover a educação artística; tão logo se reduza o apoio financeiro do governo, muitos cursos serão, obrigatoriamente, cancelados. Para os alunos de famílias com rendimento baixo, isso equivale a perder a oportunidade de receber educação cultural e artística, uma vez que as famílias, muitas vezes, não podem pagar por actividades artísticas fora da escola; mesmo que sejam gratuitas, a falta de tempo e de meios dos pais impedem-nos de proporcionar a seus filhos o contacto com essas actividades. Tudo isto não apenas as priva do direito de acesso às artes e à cultura, mas também aumenta a lacuna cultural entre as diferentes classes sociais.


Sendo escusado referir a igualdade no direito fundamental à cultura, os atuais responsáveis pela elaboração de políticas públicas devem estar conscientes do facto de que, para além de cultivar os futuros profissionais criativos, a educação em artes e cultura constitui, também, o alicerçe do desenvolvimento da indústria criativa. Renée Elise Goldsberry, famosa actriz do teatro musical dos Estados Unidos da América, falou recentemente, em um vídeo que defendeu a necessidade da educação artística, sobre como o seu professor de música mudou a sua vida inteira. Na escola primária, a Renée desempenhou sempre o papel de palhaço até que, um dia, o professor, vendo-a perturbar a aula, chamou-a para um solo, e disse a todos: “Olha, parece que temos uma cantora na nossa turma”. Desde então, a sua vida musical começou a avançar. Em 2016, ganhou o Prémio Tony de melhor actriz musical pelo espectáculo da Broadway, Hamilton. “Se aquele professor de música não me tivesse dado o papel de cantora naquela aula, como eu seria hoje?” As palavras da Renée atestam a influência profunda e o valor da educação artística tal como declarado pelo Governo da Nova Zelândia.


Revendo a atual situação de Macau, desde a irrupção da epidemia de COVID-19, o apoio governamental ao sector de artes e cultura tem enfraquecido, o que demonstra que o governo, preconceituosamente, considera supérfluo o investimento no sector, em vez de enxergá-lo como uma indústria local emergente que poderá impulsionar o emprego e a economia ou, ainda, como um investimento no capital social. Se o repetido impacto da epidemia tornar inviável sustentar a população local da indústria criativa, que tem vindo a crescer progressivamente ao longo da última década, os profissionais terão que procurar outros meios de sobrevivência, o que significa não apenas um retrocesso na diversificação das indústrias de Macau, mas também um desperdício de recursos.


Uma vez mais, a epidemia reflete a crise da falta de diversidade da indústria de Macau. Considerado numa perspectiva a longo prazo, o investimento nas artes e na indústria criativa não deveria ser reduzido, pelo contrário, o governo deveria considerar uma mais razoável alocação de recursos para o sector. Como por exemplo, investir na educação artística não apenas traria empregos aos trabalhadores do meio, como também investiria o futuro da nossa sociedade. Considerando-se a nova política amplamente reconhecida do Governo da Nova Zelândia, nota-se que o investimento na educação artística poderia, muito possivelmente, tornar-se um bônus da política do próximo governo.


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O desenho é de autoria de Filipe Miguel das Dores, “Working Alone” (120 x 70 cm / 2015). A cidade vazia sob as suas pinceladas torna-se a realidade durante a epidemia, enquanto as artes, como uma luz na noite escura, iluminam a nossa vida, o que é exactamente a razão por que são indispensáveis.  Foto cedida pelo artista


Leituras relacionadas:

O vídeo da entrevista da Renée Goldsberry

O programa do Governo da Nova Zelândia “Criadores em escolas”