Pal Lok

Lok é alguém que gosta de pessoas com sentido da vida, objectos e plantas. Trabalha nas áreas de curadoria dos sectores comercial, artístico e cultural, marketing de marca e gestão de eventos. Tem um mestrado em Arte e Gestão de Eventos e possui a Licenciatura em Turismo e Gestão de Eventos. Vagueia entre a sensibilidade do coração e a racionalidade do cérebro.

Vamos sair daqui juntos

47a edição | 02 2022

“Se a energia negativa pode gerar electricidade, talvez a quantidade de energia armazenada no mundo nos últimos dois anos seja suficiente para durar uma vida inteira”. Ouvi esta frase recentemente. Efectivamente, a pandemia continua a pesar sobre nós. No início, pensávamos que não passaria de uma epidemia como a SARS e que bastaria à engenhosidade humana apenas um ano para combatê-la. No entanto, em 2021, os nossos planos fracassaram, o que, para seres com um grande desejo de controlo como os humanos, implicou uma profunda sensação de perda de controlo muito difícil de aceitar. Some-se a isso vários desastres de origem humana e não humana e 2021 acabou por ser um ano miserável para inúmeras pessoas em todo o mundo, sendo igualmente o ano inaugural do “Metaverso”. Vamos sair daqui juntos e escapar à realidade cruel?


O Metaverso propõe a visão de um futuro mundo virtual 3D, onde os humanos poderão “viver” através de uma experiência imersiva. Há quem considere que, por pior que seja a nossa vida real e por mais insatisfeitos que estejamos com a nossa aparência e o nosso corpo, podemos sempre recomeçar a nossa vida no mundo virtual. E, à excepção de questões físicas como comer e tomar banho, parece ser possível não sair deste mundo. Aqui, podemos trabalhar, comprar uma casa, comprar um carro, ir à escola, fazer compras, socializar... tudo isto é agora fácil de imaginar. Por exemplo, hoje em dia, existem sapatilhas virtuais da RTFKT, roupa virtual da DRESSX, bem como celebridades da Internet virtuais, como Miquela, a qual tem já mais de 3 milhões de seguidores, partilhando diariamente a sua vida no IG. Miquela não parece diferente de qualquer outro ser humano comum: tem problemas como qualquer pessoa, também distingue o certo e o errado e também pode apoiar marcas, pelo que a diferença entre o que é verdadeiro e o que é falso é irrisória. Isto permite que cada utilizador do mundo virtual possa ser simultaneamente um escritor, um artista, um contador de histórias e um criador de conteúdos. Sinal de um início promissor? O Metaverso cria possibilidades infinitas, sendo um ponto de partida alternativo para a inovação nos domínios tecnológico, empresarial e criativo.


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Miquela, uma celebridade da Internet virtual. (Imagem / Internet)


Em virtude desta adesão ao Metaverso, o termo “NFT” (Non Fugible Token, ou “ficha não fungível”) tornou-se igualmente o termo mais popular nos motores de busca, sobretudo devido à crença de que a tecnologia blockchain utilizada pelos NFT será utilizada em todas as transacções efectuadas no futuro Metaverso, possuindo assim um potencial muito significativo. Os designers digitais, os artistas e as marcas de luxo estão todos a apostar no lançamento de produtos NFT, enquanto várias celebridades e os fiéis dos NFT ajudam à divulgação dos mesmos, usando avatares NFT em representação das suas crenças. Como é evidente, é muito provável que os NFT deixem, no futuro, de ser apenas usados como imagens visuais, passando também a ser aplicados em múltiplos outros domínios. As principais empresas do mundo têm vindo a investir no desenvolvimento do Metaverso, na esperança de ocupar um lugar no mercado. Por sua vez, há obras de arte NFT que têm sido vendidas a preços altíssimos no mercado de leilões. Em 2021, o NFT The Merge, da autoria de Pak, foi vendido por um total de US$91,8 milhões (HKD$716 milhões), superando assim o valor arrecadado em leilão (US$91,07 milhões, ou HKD$710 milhões) pela obra de escultura de aço Coelho, de Jeff Koons, até aí, a obra de arte física mais cara alguma vez vendida em leilão, fazendo de Koons “o artista mais caro do mundo” em 2019. Mas é claro, o valor total de The Merge resultou da “fusão” da dedicação e dos recursos financeiros de inúmeros compradores.


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The Merge, da autoria de Pak, foi vendida em quantidades ilimitadas, a um preço crescente, podendo-se adquirir mais unidades quantas mais se adquirisse. Num espaço de 48 horas, foram vendidas 312.686 pequenas bolas brancas como unidades de “massa” a 28.983 compradores. As pequenas bolas brancas adquiridas por cada comprador iam sendo integradas numa grande bola de acordo com a quantidade de bolas adquiridas, podendo estas ser divididas e vendidas a outros compradores. (Imagem / Nifty Gateway)


No que respeita às operações concretas deste mundo virtual, ainda existem muitas questões legais por estudar e resolver. Mas no que respeita ao desenvolvimento da civilização humana, será que o Metaverso, as criptomoedas e os NFT irão contribuir para criar um admirável mundo novo, ou não passará tudo isto de mais um torvelinho capitalista? Este será, afinal de contas, um tipo de desenvolvimento que tornará os seres humanos melhores e mais felizes, ou que nos tornará mais endividados e mais miseráveis? A arte NFT estará a criar arte que explora as várias facetas da vida e que nos toca emocionalmente, ou será um artigo de luxo de edição limitada criado para fins especulativos? Isto faz-me lembrar o que dizia o livro A Grande História da Humanidade: a agricultura, a revolução industrial e o desenvolvimento do capitalismo contribuíram para tornar a nossa vida mais cansativa. Abandonámos a natureza e procuramos sempre progredir, o que apenas aumenta o sofrimento da humanidade. Resta-nos apenas continuar a trabalhar no duro, na esperança de que o preço dos produtos no mundo virtual não suba demasiado rápido e de que as “personas” que criamos sejam agradáveis aos outros, promovendo a competitividade e fazendo face à inteligência artificial.