Lam Sio Man

Nascida em Macau, atualmente a viver em Nova Iorque. Dedica-se a exposições independentes, à escrita e ao trabalho em educação artística. Em 2019, foi curadora da Exposição Internacional La Biennale Di Veneza, inserida nos Eventos Colaterais de Macau, China. Trabalhou no Departamento de Assuntos Culturais da cidade de Nova Iorque, no Museu dos Chineses na América e no Instituto Cultural do Governo da RAEM. É licenciada pela Universidade de Pequim em Língua Chinesa e Artes, e mestre em Administração de Artes pela Universidade de Nova Iorque.

O Desaparecimento e a Imortalidade do Albergue— Memória privada, literatura artística e cenas da arte moderna e contemporânea (III)

46a edição | 10 2021

As ruínas recordam-nos um passado que já existiu e um futuro que não surgirá; seduzem-nos com sonhos de utopia para escapar do tempo irreversível...

Ruinophilia: Appreciation of Ruins, Svetlana Boym


Alguns lugares, mesmo que tenham desaparecido, ainda permanecem na memória e nos relatos das pessoas. Sempre que passo pelo Albergue do Bairro de São Lázaro em Macau, não posso deixar de imaginar o “Espaço Artístico de Albergue” que se instalou lá há 20 anos.


Na realidade, o espaço só existiu na história da arte de Macau durante um curto período de dois anos, entre 2001 e 2002, embora o pátio onde estava alojado possua uma história centenária. O nome “Albergue” vem do facto de que costumava ser uma casa de senhoras idosas antes de ser abandonada e transformada num espaço de arte.


Segundo a edição de 2002 de Albergue de Santa Casa da Misericórdia de Macau Informação, o espaço foi utilizado pela primeira vez no início de 2001 como local para exposições e apresentações pelos grupos de arte locais, a Associação Audio-Visual Cut e a Comuna de Pedra. Mais tarde, graças aos esforços de um grupo de artistas, o “Espaço Artístico de Albergue” foi oficialmente registado em 2002 e rapidamente se tornou o local mais activo da arte contemporânea em Macau, reunindo artistas do Interior da China, de Taiwan, Macau e Hong Kong e até do estrangeiro. 


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As edições 1, 3, 4, 5 e 6 de Albergue de Santa Casa da Misericórdia de Macau Informação (na colecção da Biblioteca Central de Macau).


O Albergue tem uma área de aproximadamente 1.300 metros quadrados e compreende um pátio, dois velhos edifícios portugueses e 32 pequenas salas no seu interior, utilizadas para diferentes exposições, estúdios e oficinas. No centro do pátio, duas antigas árvores de cânfora sobressaem, abraçando todas as possibilidades e impossibilidades da arte.


Infelizmente, em Janeiro de 2003, o Albergue foi encerrado por razões desconhecidas. Nessa altura, muitos artistas e o público nacional e estrangeiro apelaram à sua preservação através de petições, mas os esforços foram em vão. No entanto, depois de alguma luta, os artistas puderam finalmente continuar as suas actividades no Antigo Estábulo Municipal de Gado Bovino, que depois se tornou o espaço artístico do Armazém de Boi. 


Apesar da sua curta existência, o Albergue alimentou um grande número de experiências de arte contemporânea, com várias características importantes, incluindo a reutilização dos espaços abandonados, a actuação independente de grupos de artistas, o desenvolvimento de projectos de arte cross-media e intercultural e a integração orgânica da arte com a comunidade. Os espaços e grupos representativos de arte espalhados hoje por toda a Macau costumavam conviver no Albergue, fosse com vídeo, dança contemporânea, música experimental, teatro, gravura, cerâmica, instalação, banda desenhada, arte infantil, arte comunitária ou arte performativa…O Albergue é como o antepassado dos espaços de arte alternativa em Macau.


Quando se trata de espaços de arte alternativa, a maioria desses espaços no mundo surgiu nas décadas de 1960 e 1970, procurando a experimentação artística e a autonomia dos artistas. A instituição de arte americana Exit Art documentou mais de uma centena de importantes espaços de arte alternativa em Nova Iorque desde a década de 1960, com a exposição e publicação de Alternative Histories: New York Art Spaces 1960 to 2010, que é como uma história de arte alternativa, desafiando a visão dominante da história da arte. Pensei muitas vezes que se houvesse uma tal mini história da arte de Macau, o Albergue seria um dos capítulos mais importantes.


De uma perspectiva internacional, o ambiente social e artístico de Macau é inerentemente diverso devido à sua localização na margem do mercado artístico e à coexistência de múltiplas culturas e tradições, o que torna Macau um terreno fértil para o surgimento de práticas alternativas. De facto, muitas experiências de arte e espaços artísticos que evoluíram durante o período do Albergue, embora de pequena escala, muitas vezes tiveram o poder de subverter a prática convencional. Só que esses espaços artísticos alternativos que tinham aparecido estão ainda a lutar pela sobrevivência em Macau e requerem, ainda, uma maior atenção e investigação do público.


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Alternative Histories: New York Art Spaces 1960 to 2010 (em cima, a capa do livro, em baixo, o PS1 Contemporary Art Center, fundado em 1976 e, agora, filial do MOMA, Nova Iorque)