Un Sio San

Un obteve a dupla licenciatura em Língua Chinesa e Arte (produção de cinema e televisão) da Universidade de Pequim e o duplo mestrado em Estudos da Ásia Oriental e Estudos da Ásia-Pacífico da Universidade de Toronto nas áreas de investigação em literatura e cinema. Ganhou o prémio de Henry Luce Foundation Chinese Poetry & Translation e foi poeta residente no Estúdio Criativo de Vermont nos EUA. Foi convidada a marcar presença em vários festivais internacionais de poesia tal como o festival realizado em Portugal e trabalhou como letrista da primeira opera interior original de Macau “Um Sonho Perfumado”. Publicou algumas colecções de poemas nos dois lados do estreito e tem-se envolvido no meio académico e em publicação por muito tempo, além de escrever colunas para meios de comunicação em Taiwan, Hong Kong e Macau.


Literatura como remédio—Curas alternativas numa era pandémica

46a edição | 12 2021

Quase dois anos após o início da pandemia, o isolamento físico tornou-se uma rotina e a necessidade, trazida pelo isolamento, de suportar a solidão e de protecção preventiva contra os outros tornou-se uma ordem social necessária. O stress psicológico causado pelo combate constante à pandemia, a corrida à compra de bens de primeira necessidade, o encerramento das fronteiras e os incidentes com a vacina parecem não ter fim e, assim, as interacções cara a cara tornaram-se mais preciosas até porque os concertos em grande escala, as representações teatrais e mesmo as exibições de filmes foram suspensos.


O grande poeta português Fernando Pessoa disse: “A poesia cura tudo”. Muito antes do Arts Delivery estar em condições de fazer exposições, a “terapia literária” já estava em acção no início da pandemia. Em Março de 2020, quando a cidade de Paris foi fechada devido à situação severa da pandemia, o Teatro Municipal de Paris, que foi obrigado a encerrar, lançou o projecto Poetic Consultation by Phone, um serviço gratuito de leitura de poesia por telefone para confortar o público e proporcionar um meio de subsistência aos actores que tinham deixado de trabalhar devido à pandemia. 


Plano transfronteiriço para o projecto Poetic Consultation by Phone


O projecto Poetic Consultation by Phone é limitado a um membro da audiência por sessão de aproximadamente 20 minutos, com o actor a ligar, à hora marcada, à pessoa que reservou o encontro. Começando com uma breve conversa de saudação, o actor selecciona um poema e lê-o para o ouvinte. O projecto foi tão bem recebido que foi alargado a Florença, Roménia, Berlim, Atenas e até a muitos países em África. Até à data, mais de 15.000 ouvintes em todo o mundo já participaram nesta terapia artística.


Em Maio de 2021, à medida que a Europa e os Estados Unidos desconfinavam gradualmente, o serviço de consulta psicológica telefónica, originalmente baseado em leituras de poesia, evoluiu para um evento físico num espaço público, incorporando diferentes formas de actuação artística. Para além de ser realizado regularmente nos jardins e nas praças de Paris, também promove laços internacionais. Por exemplo, a 19 de Setembro do mesmo ano, o Weiwuying de Taiwan e o Teatro Municipal de Paris realizaram, em simultâneo, um encontro de artes ao ar livre, convidando artistas a actuarem como “consultores artísticos”, selecionando poemas e recitando-os para o público, tocando música, apresentando ópera ou dançando.


Ao contrário do aconselhamento psicológico profissional, a terapia artística não se centra no processo “conversa—escuta—análise”, nem é 100% feita à medida de cada pessoa. Contudo, o calor genuíno e exclusivo de um encontro casual entre estranhos já é um bálsamo espiritual de longa duração.


Literatura como medicamento


A “Literatura como medicamento” não é uma novidade e gostaria de a classificar em, aproximadamente, quatro categorias.


A categoria mais comum é a “revelação das doenças e dos sofrimentos do público a fim de o curar”, representada pelo Sr. Lu Xun, que abandonou a medicina para seguir uma carreira na literatura. No seu livro Uma Colecção das Histórias do Norte e do Sul: Porque comecei a escrever romances, declarou que as suas obras de crítica satírica se destinavam a curar as “pessoas adormecidas” e a “sociedade doente”, servindo os leitores que precisavam de curar as suas feridas psicologicamente graves.


Outra categoria é a de “medicamento de auto-ajuda”. Por exemplo, o livro intitulado The Novel Cure: An A-Z of Literary Remedies e mesmo a Ding Cheng Pharmacy, uma instalação de arte interactiva que utiliza frases poéticas como medicamento, recentemente exibida no Pavilhão de Nanjing da “Arte Macau: Bienal Internacional de Arte de Macau 2021”, são ambos mecanismos de auto-ajuda sob o tema de cuidados diários de saúde.


A terceira categoria é a de “consulta clínica”, tal como a supracitada Poetic Consultation by Phone. Através de uma interacção apropriada cara a cara, a leitura literária transforma-se de espectáculo teatral, sublime e formulado numa ferramenta artística experimental e num instrumento de cuidado, caracterizado por uma maior participação do público, com resultados mais abertos e imprevisíveis, provocando no público “ondulações mentais” expandidas.


A quarta categoria é a de “Pacientes que se ajudam uns aos outros”, que transforma os clubes de leitura em algo como o clube Alcoholics Anonymous. Em Julho deste ano, fui convidada a participar no evento bpM: Poetry, concebido pelo BOK Festival, para explorar a possibilidade de uma “leitura compartilhada”, através de um tema definido, leituras improvisadas e acompanhamento de música, e também para reconstruir a relação entre poesia, música e espaço. Com este formato, tivemos uma boa resposta do público no evento. Ler em voz alta ou ler em silêncio com um grupo de estranhos mascarados durante os tempos da pandemia pode curar a alma? Pelo menos, desta maneira, a confiança mútua das pessoas aumentou um pouco. 


Não acha que os quatro medicamentos acima referidos são suficientemente fortes? Se quiser um remédio potente, leia aqueles “poemas de combate à pandemia” de inspiração própria, que são poemas como se fossem um medicamento que foi esmagado em pó.


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bpM: Poetry é um programa especial do Projecto Arte Sonora + Leitura, em que o público participa trazendo um livro ou uma colecção de poesia à sua escolha relacionados com o tema


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A instalação de arte interactiva de poesia no Pavilhão de Nanjing da “Arte Macau: Bienal Internacional de Arte de Macau 2021”