Johnny Tam

Realizador teatral e director artístico do Grupo de Teatro Experimental de Pequena Cidade. Viveu e trabalhou em Xangai e Berlim. As obras recentes incluem O Sr.Shi e o Seu Amante Lungs.


Os actores chegaram, mas o realizador não está (parte 2)

46a edição | 12 2021

     “Não creio que haja espaço para a industrialização da cinematografia em Macau”. Foi assim que a actriz respondeu à minha pergunta sobre como ela via o desenvolvimento desta indústria. “Ainda sou suficientemente jovem para desfrutar do prazer que esta indústria me tem trazido, mas também me preocupa que, uma vez que a minha curiosidade diminua e eu comece a envelhecer, será que serei capaz de perseguir os meus ideais da mesma forma se continuar a sobreviver como sobrevivo  actualmente?”, acrescentou ela. Ao ouvir esta resposta, ficámos em silêncio por um momento e depois sorrimos em uníssono.


     “Você faz-me pensar numa questão: que tipo de espectáculo pode dar alegria e satisfação a um criador?”

     “Então, tem a resposta?”, A actriz ergueu a voz e perguntou.

     “A minha resposta costumava ser um grupo de pessoas que eram capazes de passar pelo processo de criar algo do zero, sem qualquer motivo egoísta ou interesse pessoal. Mas como a minha mentalidade mudou, o que mais me interessa agora é se o diálogo que tenho comigo, mesmo depois de completar um trabalho criativo, pode ser transformado numa voz que possa beneficiar a sociedade”.

     “Penso que já é suficientemente difícil realizar o cenário apresentado pela primeira resposta e é quase impossível encontrar alguém que não tenha nenhumas ideias egoístas e interesses pessoais na criação, que vai para casa e dorme depois de completar o trabalho. Prefiro conhecer alguém que tenha uma abordagem bem pensada para actuar em conjunto e aprender os pontos fortes uns dos outros, para derrubar todas as práticas que tomámos antes por concessão e para encontrar um estado de actuação mais apropriado e orgânico”. A actriz parece estar a pensar em alguém na sua cabeça.

     “Então, está disposta a admitir que é uma actriz que tem ideias egoístas e interesses pessoais?”

     A actriz deu-me a resposta esperada.

     “Penso que esta característica pessoal é muito importante, senão como é que o ambiente industrial inteiro pode ser melhorado? Vou tentar tornar-me mais competitiva, mas não é isso que todos vocês em diferentes cargos deveriam estar a pensar fazer?”


     Deixámos a cafetaria e sugerimos uma loja de conveniência para ir comprar alguma comida, uma vez que cada um de nós tinha um ensaio num local diferente à noite.

     “Ser um criador com ideias egoístas e interesses pessoais é muito raro de ver neste lugar, dado que há sempre uma voz dominante na sociedade de que os artistas devem ser muito simples”. Ao caminharmos, continuámos a conversa sobre o tema.

     “Idiota! Lembro-me de que Ariane Mnouchkine do Théâtre du Soleil disse uma frase de que eu gosto imenso até hoje: Não sou uma leviana e nem sou uma boa rapariga!”

     “Essa é a atitude certa para a criação.”

     “Qual é a forma correcta para um realizador pensar sobre a atitude para a criação? Ou está demasiado ocupado com a sua criação para se preocupar com qualquer outra coisa?” A actriz fez-me a pergunta.

     “Não, a criação é uma forma de ter um diálogo com a sociedade, mas não é a única”.

     “Pois, não gosto de ser posta à frente das coisas pelos outros, e os bons actores não são máquinas, pois temos as nossas próprias ideias”. O olhar da actriz recorda-me um monólogo que ela uma vez realizou.

     “Nenhum bom criador artístico é um seguidor. Para além de representar o enredo da peça, estamos sempre a representar o enredo das nossas próprias vidas”.

     “Mas muitas pessoas ignoram este facto e acham que os actores são pagos para fazer o que gostam, além disso, até acham que eles não pensam, não expressam os seus pontos de vista sobre a sociedade. No entanto, de facto, os bons actores são as pessoas mais sensíveis e observadoras da sociedade”. Pagámos a comida e fomos a pé até à paragem de autocarro do outro lado da rua.

     “Algumas pessoas dizem que a missão de um criador artístico é falar através do seu trabalho, concorda?” Parece que fiz à actriz a mesma pergunta que tenho feito a mim próprio.

     “Claro que não, porque os actores são seres humanos, e acima de tudo, eles têm também uma vida normal humana”.


     Após uma tarde de reunião, regressei ao meu ambiente de trabalho habitual e, comendo um pão acabado de comprar e uma garrafa de água destilada, reflecti sobre os aspectos positivos e destrutivos do hábito. Sempre que falamos de um dilema de um ou de outro tipo, quantas destas coisas poderíamos ter a coragem de ultrapassar enquanto intervenientes no teatro? Mas como não acumulámos a sabedoria e a convicção suficientes, não conseguimos mudá-las? Estes não são os problemas que a produção tem de resolver, mas sim os problemas que têm sido levantados e enfrentados por alguém que se preocupa com a sua situação cultural, particularmente na ausência dos actores e do realizador.


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Os bons actores são as pessoas mais sensíveis e observadoras da sociedade