Liu Feisi

Escritora freelance. Após concluir um mestrado em filosofia, tem exercido actividade na comunicação social e em publicações no âmbito da arquitectura, do design e da arte, tendo colaborado com a Life Magazine, a plataforma Douban e com a Editora de Arquitectura e Construção da China (China Architecture & Building Press). Realizou também entrevistas e escreveu resenhas culturais para o Southern Weekly, Oriental Morning Post, 21st Century Business Herald, City Pictorial, GENUINE, Homeland, entre outros jornais e revistas. Adora ouvir histórias de pessoas que vivem em todo o tipo de ambientes.

A matriz do design

47a edição | 03 2022

O que desejam consumir os jovens de hoje? Nestes dois anos de pandemia, é esse o maior problema que ocupa a mente dos designers e gestores de marcas. Do lema “se não estás feliz, compra, compra, compra” que obcecou várias gerações, passou-se à voga da formação de grupos no Douban que se difundiu junto dos jovens de hoje, como, por exemplo, os grupos “Não compre: diga não ao consumismo”, “Vamos economizar como loucos”, “Vamos poupar com frugalidade e avareza”, “A verdade está na simplicidade”, entre outros. O outrora popular “marketing de histórias” tornou-se, num piscar de olhos, coisa do passado. Por outro lado, os designers que gostariam de se concentrar na criação de um ou dois produtos são obrigados a correr atrás dos algoritmos de marketing das plataformas comerciais, não podendo deixar de inovar. No banquete de final do ano, só se falava em “dificuldades”.


Há uns tempos, uma amiga minha que trocou uma carreira de curadoria cultural pela oportunidade de criar a marca de vestuário infantil “Rainbook” enviou-me um conjunto de pacotes de café, escrevendo a mensagem: “Para te divertires a beber quando te apetecer.” Assim que abri a caixa, o trabalho de impressão com motivos de várias cores debruados a dourado na face da caixa surpreenderam-me. As linhas coloridas entrelaçadas, cada uma com 0,3 cm de largura, apresentavam sete ou oito cores diferentes, sendo ladeadas por finas margens douradas. Se tal sistema fosse usado na edição de livros, as gráficas e os editores cairiam, sem dúvida, em cima dos designers. A caixa continha três tipos de café, ou melhor, três romances. Por exemplo, no pacote de café Daydream pode ler-se: “O monstro dos sonhos já não está apenas confinado à noite, procurando-me também durante o dia. Hoje, fui atrás dele numa velha bicicleta e fui dar directamente à praia...” Este texto lembra-me o livro O Oceano no Fim do Caminho de Neil Gaiman, pelo que fui desencantar o meu exemplar empoeirado da revista Science Fiction World e pus-me a lê-la com uma chávena de café “Ethiopia Heirloom”. É raro conseguir pousar o telemóvel e ter tempo para ler de manhã.


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A face da caixa de café da marca de vestuário infantil “Rainbook” integra várias técnicas de impressão


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Cada pacote de café da caixa está cheio de histórias. A imagem mostra o café de filtro com o nome Daydream


Hoje em dia, já não vivemos numa era de escassez material. Citando Roland Barthes, o significante e o significado dos objectos, apesar de separados, estão correlacionados. Tomando como exemplo o café, os consumidores modernos, com o seu gosto exigente e as suas múltiplas defesas contra os produtos visualmente tentadores, acabam por não saber o que escolher. Isto lembra-me um conceito de que tenho ouvido falar muito nos últimos seis meses: “matriz do design”, um conceito que se liga com um outro também muito em voga: o “metaverso”, o qual se tem revelado uma bola de neve que tem vindo a crescer e a tornar-se cada vez mais complexa, oferecendo um mundo virtual a todos aqueles a quem a vida real não satisfaz e que buscam a perfeição. A matriz do design prende-se mais com os inúmeros indivíduos que se dividem entre gestores e designers, cuja abordagem para entrar no mercado externo consiste em usar os seus talentos, passatempos e percepções da cultura local na criação de produtos, serviços e experiências, a fim de partilhar os mesmos com a sua comunidade de clientes. Embora o destino de ambos seja o mesmo, penso que a maioria de nós tende a preferir o caminho das experiências.


Perscrutar a alma de um designer pode, por vezes, levar-nos a descobrir uma alma vivaz e exuberante sob a máscara de um adulto tranquilo. A PHAIdesign criou mini-modelos de metal de vários pontos de referência de Xangai, que parecem ser feitos de aço inoxidável. Todas as partes têm o seu lugar, encaixando-se perfeitamente umas nas outras. Após a eclosão da pandemia, a empresa lançou ainda uma série de máscaras artísticas, com cores muito vivas, cada uma com um nome inspirado num dos oito planetas e com uma cor própria. A Terra, por exemplo, é descrita assim: “Sou uma existência única, o único lugar no universo com WiFi”. A máscara de Urano diz: “O encontro com a Voyager foi um pouco embaraçoso; descobriu que eu estava sempre deitado...” Cada máscara está associada a uma música própria, seleccionada a partir dos álbuns de jazz favoritos do designer, como Blue Orchard de FloFilz, Tiffakonkae de Kamasi Washington, entre outros, atraindo assim uma comunidade de aficionados do jazz.


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A PHAIdesign lançou uma série de máscaras artísticas, cada uma com o nome dos oito planetas e contendo um código QR de música jazz


Por sua vez, algumas marcas de mobiliário doméstico começaram a promover a cultura local. A Mumo, uma marca de Wenzhou dedicada sobretudo aos móveis de madeira, oferece aos clientes a experiência das bolinhas de peixe de Wenzhou e da gastronomia de Wenzhou. A marca de mobiliário doméstico Ziinlife lançou a estação de rádio Ziinlife, onde gestores e designers conversam uns com os outros sobre as dificuldades do design e os dilemas derivados do conflito entre o desejo de realizar um ideal e a necessidade de comercializar produtos, por vezes convidando especialistas para falar sobre o Festival do Barco-Dragão de Fuzhou. O gestor da Loja Lastisland, devido à sua paixão pelo campismo na montanha, concebe, de vez em quando, o design de casas de campo para grandes estrelas de revistas de moda.


“Estilo de vida” é um conceito que já está demasiado gasto. Um ou dois itens não conseguem transmitir tudo o que queremos dizer, pelo que o melhor é sermos simplesmente directos.