Lam Sio Man

Nascida em Macau, atualmente a viver em Nova Iorque. Dedica-se a exposições independentes, à escrita e ao trabalho em educação artística. Em 2019, foi curadora da Exposição Internacional La Biennale Di Veneza, inserida nos Eventos Colaterais de Macau, China. Trabalhou no Departamento de Assuntos Culturais da cidade de Nova Iorque, no Museu dos Chineses na América e no Instituto Cultural do Governo da RAEM. É licenciada pela Universidade de Pequim em Língua Chinesa e Artes, e mestre em Administração de Artes pela Universidade de Nova Iorque.

Tempos submersos – esboços de arte em Nova Iorque

29a edição | 10 2018

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Times Square, Nova Iorque. Foto tirada pela autora no verão de 2018.


Não existe noite na Times Square de Nova Iorque.

 

Com o cair da noite, os outdoors multifacetados e melosos em Times Square esforçam-se para se destacarem da multidão. Nesta encruzilhada do mundo, dos outdoors caros que cobram ao minuto e ao segundo, aos artistas de rua em roupas extravagantes, todos fazem o seu melhor para brilhar. De certa forma, é bastante difícil distinguir anúncios e entretenimento da cultura e das artes.

 

Foi nesta já apertada praça que uma grande instalação de madeira foi subitamente apresentada num dia aleatório de verão. Não só se parecia com o esqueleto de um mamífero marinho, mas também se assemelhava aos destroços de um navio naufragado. A instalação formava um forte contraste com a agitação em redor, com as suas costelas de madeira a estenderem-se para o céu e a sua escultura feminina contemplativa a comandar um navio. Era impossível os transeuntes não repararem nela.

 

O artista intitulou a instalação de “Wake”. A figura feminina na proa do navio é uma réplica de uma escultura que foi usada para decorar um navio americano chamado “USS Nightingale”, do século XIX. O nome “Nightingale” remete para Jenny Lind, uma estrela de ópera muito popular no século XIX nos Estados Unidos da América (EUA). Ela era também conhecida por “Swedish Nightingale” (Rouxinol Sueco) pela sua origem e pela beleza da sua voz.

 

O comércio marítimo trouxe rápido desenvolvimento à economia de Nova Iorque no séculos XIX, portanto a amarração do veleiro tornou-se num indicador do desenvolvimento da economia e da tecnologia. Ao mesmo tempo, assistia-se a uma crescente procura por cultura e entretenimento, e Jenny Lind acabou por tornar-se uma celebridade alardeada. Subsequentemente, quando um novo veleiro foi posto ao serviço em 1851, os norte-americanos chamaram-lhe “Nightingale”. Inesperadamente, a história do “Nightingale” não acabou aí: o veleiro foi mais tarde utilizado para transportar escravos africanos, tornando-se parte da história negra na América. Além disso, foi utilizado novamente durante a Guerra Civil Americana, depois da qual serviu em expedições ao Ártico e no comércio mercante até ao seu naufrágio em 1893. A história terminou quando “Nightingale” e os seus tempos foram afundados e varridos pelas águas do Atlântico Norte.

 

Com a instalação da arte, o artista desejava evocar uma era submersa. Sim, a sua ambição vai além disso, já que “Wake” é apenas metade da totalidade da instalação. Na outra metade, ele planeou fazer o submerso “Nightingale” “Levantar Âncora” mais uma vez. Para isso, o artista cooperou com um gigante da tecnologia para desenvolver uma aplicação. Após a activação da aplicação, aponte para os destroços do “Nightingale” com o seu telemóvel e perceberá que o navio está gradualmente a retornar ao seu estado original. Quando soa o apito, o “Nightingale” volta a partir, navegando acima de Times Square e encontrando vários navios vindos de diferentes direcções. O que está afundado e inundado agora, no entanto, é toda a Times Square.

 

Se “Wake” convoca a honra e a desgraça na história de Nova Iorque, então o que foi indicado pelo mundo virtual tornado real nos telemóveis foi, infelizmente, o futuro da cidade como resultado do aquecimento global… Guias foram contratados pela instituição que comissionou a obra de arte para partilhar o raciocínio da instalação com os transeuntes. Alguns tiveram sentimentos contraditórios depois de conhecer a história por trás da instalação, enquanto outros simplesmente se maravilharam com a tecnologia virtual; alguns mostraram as suas preocupações sobre o aquecimento global, enquanto outros não quiseram mergulhar muito fundo na contenda política por trás de tais questões; alguns quiseram tirar uma selfie em frente à instalação, enquanto outros, depois de caminhar o dia todo, só queriam descansar na sua base. Os guias aprenderam rapidamente quando explicar e quando simplesmente clicar no botão para os transeuntes.

 

Uma anedota interessante surgiu quando uma guia terminou de dar a explicação oficial a um transeunte e este lhe disse, inesperadamente, que a melhor coisa da arte é que ela não requer nenhuma explicação, porque ela mesma explica tudo. A guia achou as palavras do transeunte cada vez mais agradáveis e, mais tarde, quando se deparou com a questão de o que era aquela instalação, ela simplesmente respondeu: “O que é que você acha?”