Un Sio San

Un obteve a dupla licenciatura em Língua Chinesa e Arte (produção de cinema e televisão) da Universidade de Pequim e o duplo mestrado em Estudos da Ásia Oriental e Estudos da Ásia-Pacífico da Universidade de Toronto nas áreas de investigação em literatura e cinema. Ganhou o prémio de Henry Luce Foundation Chinese Poetry & Translation e foi poeta residente no Estúdio Criativo de Vermont nos EUA. Foi convidada a marcar presença em vários festivais internacionais de poesia tal como o festival realizado em Portugal e trabalhou como letrista da primeira opera interior original de Macau “Um Sonho Perfumado”. Publicou algumas colecções de poemas nos dois lados do estreito e tem-se envolvido no meio académico e em publicação por muito tempo, além de escrever colunas para meios de comunicação em Taiwan, Hong Kong e Macau.


Da mesa de refeições para a mesa de leitura

30a edição | 12 2018

Numa sociedade onde a maioria das pessoas não são há muito ameaçadas pela fome, podemos encontrar sempre toneladas de programas de TV sobre comida. Temos “reality shows” como Master Chef e Kitchen Nightmares, de Gordon Ramsay; programas de “food porn” como A Bite of China e Chef’s Table, etc. Eu assisti a todos eles. Parece que há muitas pessoas por aí que também gostam de ver programas de comida como eu, uma vez que a mostra de filmes “BEBER-BEBER, COMER-COMER! - O Sabor do Cinema”, organizada pela Cinemateca・Paixão teve grande sucesso em Macau. Há mais do que isto quando se fala de cultura gastronómica em Macau.


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Entre todos os programas de comida disponíveis, eu adoro particularmente as produções de Anthony Bourdain, um chef famoso, autor e apresentador de programas de viagens que faleceu recentemente. Se você também não gosta de todos os bloggers de comida que produzem conteúdos super genéricos e não têm realmente um sentido de curiosidade pela comida, então provavelmente concordará comigo sobre o facto de que Bourdain fez uma contribuição única para a cultura gastronómica, numa época em que todos podem reivindicar enquanto apreciadores de comida. Bourdain era um crítico gastronómico muito directo e genuíno. Ele não só mostrava a comida em si ao público, mas também contava as histórias por trás da comida. Quando gravou um episódio em Macau, ele experimentou literalmente tudo o que encontrou na cidade. Experimentou rolos de macarrão de arroz, cozinha macaense, cozinha cantonesa de alta qualidade, etc. A partir das mesas de refeições, Bourdain pôde ter uma ideia de como as pessoas de Macau se vêem a si mesmas e à indústria do jogo da cidade. Para Bourdain, a comida traz aventuras.

 

A cultura gastronómica é muito complexa. Não se trata apenas do sabor da comida, a nutrição ou as calorias. Quando Bourdain era ainda chef em Nova Iorque, ganhou popularidade com o best-seller Kitchen Confidential: Adventures in the Culinary Underbelly. Os seus livros seguintes, como A Cook’s Tour: In Search of the Perfect Meal, The Nasty Bites: Collected Varietal Cuts, Usable, Trim, Scraps, and Bones e No Reservations: Around the World on an Empty Stomach, entre outros, são portas de entrada para os leitores sentirem o sabor de diferentes gastronomias à volta do mundo e conhecerem as histórias por trás de excelente comida. Nos últimos anos, livros sobre comida e culinária ocuparam metade do mercado livreiro. É basicamente possível encontrar livros que falam sobre comida de qualquer perspectiva. Por exemplo, há livros sobre como os alimentos mudam à medida que se espalham para diferentes países, as suas origens, receitas, comida que podemos encontrar quando viajamos para determinados lugares, ou até mesmo a economia dos alimentos, religiões, comida em tempo guerra, etc. Na última década, testemunhámos também o surgimento de incríveis IPs (propriedade intelectual) em alimentos como a Midnight Diner e The Solitary Gourmet, entre outros. Quando ainda nos sentimos culpados por comer de mais, como os protestantes, a indústria de catering e a indústria editorial já conseguiram dar um forte impulso no mercado e estão a sair-se ainda melhor agora.


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Infelizmente, apesar de Macau ter sido reconhecida pela UNESCO como Cidade de Gastronomia, a cidade não tem muitas publicações sobre comida e gastronomia para oferecer. É verdade que tivemos algumas publicações como The Cuisine of Macao From My Grandfather’s House, The Traditional Tastes in Words: A Food Journey with Authors from Macao, etc., a emergir do mercado. Mas a realidade é que Macau está muito atrás de toda a indústria editorial chinesa.

 

O que Macau realmente precisa para a indústria alimentar em rápido crescimento não são alguns influenciadores na Internet que não têm realmente conhecimentos sobre comida, ou chefs populares que são boa publicidade. Para promover a cultura gastronómica local, Macau deve procurar activamente a cooperação com as outras 180 cidades criativas reconhecidas pela UNESCO e posicionar a sua indústria gastronómica e cultural como parte da estratégia de desenvolvimento para a região. A cidade em si também precisa de mudar o seu foco de acolher festivais e exposições gastronómicas durante todo o ano, para investir mais recursos na documentação da cultura gastronómica local e na publicação de obras relevantes.

 

Ao contrário das promoções genéricas, a literatura sobre cultura gastronómica nunca se debruça apenas sobre aspectos técnicos. Em vez disso, conta histórias que envolvem a sociedade, a nação, experiências pessoais e estéticas. Macau experimentou muitas dificuldades que também envolveram comida. Por exemplo, Portugal, o antigo colonizador de Macau, não só trouxe a guerra para a região, mas também especiarias e o comércio do chá. A cidade também passou fome durante a guerra anti-japonesa. A cozinha macaense é um produto da fusão de diferentes culturas. A sua história pode conduzir-nos até às empregadas domésticas provenientes de Shunde e às famílias portuguesas de Macau. Se o governo de Macau quiser posicionar a cultura gastronómica como parte da estratégia de desenvolvimento do seu poder suave, mais esforços devem ser investidos na publicação e promoção de livros relevantes. Isso ajudará a difundir o charme da cultura gastronómica de Macau e a construir uma marca de livros sobre comida em Macau.

 

Bourdain descreveu a culinária como um relacionamento de longo prazo, o que significa que há momentos gloriosos que coexistem com momentos absurdos. Assim como num relacionamento romântico, quando recordamos o processo de cozinhar, lembramo-nos sempre dos bons velhos tempos e das coisas que nos atraíram em primeiro lugar. Lembramo-nos daqueles que despertaram a nossa curiosidade e nos incentivaram a explorar mais. O que queremos para Macau? Queremos apresentar ao público imagens de comida deliciosa em Macau que façam babar? Ou queremos atraí-lo através de histórias e memórias envolventes que o façam desejar mais e voltar para a explorar?