Un Sio San

Un obteve a dupla licenciatura em Língua Chinesa e Arte (produção de cinema e televisão) da Universidade de Pequim e o duplo mestrado em Estudos da Ásia Oriental e Estudos da Ásia-Pacífico da Universidade de Toronto nas áreas de investigação em literatura e cinema. Ganhou o prémio de Henry Luce Foundation Chinese Poetry & Translation e foi poeta residente no Estúdio Criativo de Vermont nos EUA. Foi convidada a marcar presença em vários festivais internacionais de poesia tal como o festival realizado em Portugal e trabalhou como letrista da primeira opera interior original de Macau “Um Sonho Perfumado”. Publicou algumas colecções de poemas nos dois lados do estreito e tem-se envolvido no meio académico e em publicação por muito tempo, além de escrever colunas para meios de comunicação em Taiwan, Hong Kong e Macau.


Arte é vida: o que a vida em Melbourne me ensinou

34a edição | 08 2019

“Ias adorar Melbourne”, diziam-me muitos amigos. E era verdade. Fui até lá e apaixonei-me pela cidade.

Melbourne foi reconhecida como a cidade mais habitável do mundo pela Economist Intelligence Unit por sete anos consecutivos. Além disso, Melbourne também é vista como uma cidade de café, uma cidade-jardim, uma cidade de desporto, o centro cultural da Austrália e a capital da moda no hemisfério sul. É também Cidade da Literatura, reconhecida pela UNESCO.

Melbourne é o berço da indústria editorial da Austrália. Mas, ao contrário de outras Cidades da Literatura que são famosas pelos seus gigantes literários, a robustez da literatura de Melbourne vem da sua próspera comunidade literária. A Readings, uma livraria independente em Melbourne, por exemplo, recebeu o título de Melhor Livraria Internacional do Ano na Feira do Livro de Londres. A livraria independente também publica a Monthly, uma edição mensal que abrange crítica de livros, entrevistas exclusivas com escritores e notícias do mundo literário. Dez por cento das receitas dessa publicação mensal são destinadas à Readings Foundation, que oferece serviços de apoio à comunidade, desenvolvimento da educação artística e programas de alfabetização. A comunidade de literatura de Melbourne é semelhante à aquaponia, um ecossistema que foi estabelecido por uma cultura próspera de livrarias independentes, festivais literários, escritores, agentes literários e editoras. Por exemplo, o The Wheeler Centre fundado pelo fundador da Lonely Planet, o Festival de Escritores de Melbourne e a Small Press Network estão todos sediados em Melbourne.

Além do seu ecossistema maduro, a cena literária de Melbourne também prospera devido ao grande apoio dado pela cidade aos escritores emergentes. Para uma cidade jovem com menos de 200 anos, as suas perspectivas sobre literatura e a indústria editorial são voltadas para o futuro e inteligentes. A comunidade literária em Melbourne organiza eventos que visam fomentar o aparecimento de jovens escritores, como o Festival de Escritores Emergentes e Express Media. A livraria independente Readings também estabeleceu o Prémio Readings para Nova Ficção Australiana e o Prémio Readings para Livros Infantis em 2014, numa tentativa de promover talentos literários emergentes locais. É evidente que a força cultural de uma cidade não depende apenas do planeamento de cima para baixo, mas também do espírito empreendedor das bases.


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Biblioteca Estatal de Vitória


A literatura é essencialmente sobre as histórias das pessoas. Em Melbourne, a literatura é uma filosofia de vida. Ser hipster em Melbourne, é provavelmente ter um estilo de vida descontraído. Dorme-se quanto se quer durante os fins-de-semana. Depois de acordar, toma-se um delicado brunch com os amigos. De seguida, passa-se por algumas ruelas estranhas e toma-se um café long black ou flat white num dos cafés. À tarde, leva-se o cão a passear e faz-se um piquenique nos Royal Botanic Gardens. Ou pode-se acabar a visitar a National Gallery of Victoria para ver as exposições. Também se pode ir ver um filme num cinema ao ar livre depois de um bom jantar num restaurante decente. Depois, é possível beber um copo de Pinot Noir ou Chardonnay de Yarra Valley. Quanto aos amantes da literatura, podem ser encontrados na Biblioteca Estadual de Vitória, no centro de Melbourne, uma das dez melhores bibliotecas do mundo. A biblioteca é um bom lugar para ler e ver exposições gratuitas. Quando visitei esta biblioteca, havia uma exposição sobre o design de livros e o movimento australiano de caligramas. Esta incrível biblioteca é uma atracção natural para muitos. Os visitantes também podem jogar xadrez na magnífica Sala de Leitura Abobadada octogonal.

A cultura não deve ser menosprezada como o uso de perfume para cobrir temporariamente o odor do corpo. A cultura é desenvolvida através de anos de acumulação. Os planificadores da cidade, por si só, não são capazes de oferecer um conjunto de eventos culturais e estilos de vida diversificados para os residentes. Em vez disso, o que eles podem fazer é incorporar a cultura e a arte nos genes da cidade. É verdade que o direito à vida é um direito humano básico. Os residentes de Melbourne procuram uma vida boa em vez de momentos de felicidade.

“Apenas somos capazes de apreciar a beleza quando vivemos uma vida decente”, escreveu o escritor chinês Jiang Xun. Melbourne tem-se concentrado em melhorar a qualidade de vida dos seus residentes e oferecer uma educação completa ao público em geral. A cidade não investe muito dinheiro em grandes eventos internacionais que não estão são direccionados às pessoas comuns que moram na cidade. Foi assim que Melbourne se transformou numa cidade cultural em vez de numa cidade comercial. Podemos aprender com Melbourne que não é a densidade populacional, a qualidade da água, a qualidade do ar ou outros factores externos que determinam se uma cidade é habitável ou não. Aumentar a participação cultural não é apenas pedir aos residentes que façam voluntariado em museus locais ou oferecer bilhetes gratuitos para espectáculos. O factor decisivo aqui é integrar arte e a cultura na vida das pessoas. É fazer com que as pessoas estejam dispostas a comprar obras de escritores locais em livrarias independentes e falar sobre ideias criativas em cafés. A fim de impulsionar a participação cultural na cidade, é muito importante construir um ecossistema que seja sustentável.

Melbourne tem um lema: fortalecemo-nos à medida que avançamos (em latim: Vires Acquirit Eundo). O lema vem do poema épico latino Eneida, escrito por Virgílio. Pode ser interpretado como “quanto mais se espalha, mais poderoso se torna”. O poder da cultura reside na sua capacidade de se propagar, crescer e prosperar. Se a cultura não pode ser integrada na vida quotidiana das pessoas, não faz sentido realizar eventos culturais internacionais que só podem gerar hypes temporários.