Un Sio San

Un obteve a dupla licenciatura em Língua Chinesa e Arte (produção de cinema e televisão) da Universidade de Pequim e o duplo mestrado em Estudos da Ásia Oriental e Estudos da Ásia-Pacífico da Universidade de Toronto nas áreas de investigação em literatura e cinema. Ganhou o prémio de Henry Luce Foundation Chinese Poetry & Translation e foi poeta residente no Estúdio Criativo de Vermont nos EUA. Foi convidada a marcar presença em vários festivais internacionais de poesia tal como o festival realizado em Portugal e trabalhou como letrista da primeira opera interior original de Macau “Um Sonho Perfumado”. Publicou algumas colecções de poemas nos dois lados do estreito e tem-se envolvido no meio académico e em publicação por muito tempo, além de escrever colunas para meios de comunicação em Taiwan, Hong Kong e Macau.


Encontrar o “Jardim das Flores de Pessegueiro” contemporâneo

41a edição | 10 2020

Durante a epidemia, muitas pessoas em Macau optaram por staycation (excursões locais). Numa procura permanente de novas ideias, a indústria do turismo tem utilizado ao máximo os limitados recursos turísticos de Macau, organizando, por exemplo, viagens marítimas, passeios de helicóptero e até mesmo visitas às suites de luxo dos hotéis. Apesar disso, visitar a Torre de Macau para fazer bungee jumping, combinar com os amigos passar alguns dias num hotel, desfrutar de uma piscina e fazer uma sessão fotográfica parece ter sido o padrão de férias preferido dos macaenses durante este período especial.

 

Como eu estava com saudades dos cogumelos selvagens de Yunnan, depois de a quarentena ter sido levantada, eu mal podia esperar para ir ao Shangri-La de Yunan, um lugar ideal para desanuviar. Em lugares como Lijiang e Dali, parece que a única coisa certa a fazer é ficar simplesmente a contemplar, mas também se pode beber chá e fazer amigos em pousadas típicas, olhar, desde os jardins, para as montanhas cobertas de neve e para as estrelas, brincar com os gatos e os cães preguiçosos nas ruas, folhear livros em cafés, e conversar sobre a vida nos bares. Os guias dizem que a única coisa que se deve fazer nas cidades antigas é não se fazer absolutamente nada.


Alguém que se deixa simplesmente ir é geralmente considerado como uma pessoa não motivada; mas um grupo de pessoas que juntas desperdiça o seu tempo é, na verdade, uma oportunidade de negócio ilimitada. No “Livro Verde do Lazer da China: Relatório Anual sobre o Desenvolvimento do Lazer na China 2018-2019” (“Green Book of China’s Leisure: Annual Report On China’s Leisure Development 2018-2019”) publicado pela Academia Nacional de Estratégia Económica (NAES: National Academy of Economic Strategy) da Academia Chinesa de Ciências Sociais (CASS: Chinese Academy of Social Sciences), as quatro principais cidades de lazer são Xangai, Sanya, Pequim e Zhuhai. De acordo com a máxima de que “águas claras e montanhas verdes são bens inestimáveis”, o papel do lazer na vida pessoal, nas relações familiares, nas actividades sociais e nas estruturas económicas tornou-se cada vez mais importante, tendo-se mesmo transformado numa questão-chave das políticas públicas e do planeamento urbano.


袁紹珊 - 配圖.jpeg

Cada canto de Dayan e de Shuhe, centros históricos de Lijiang, estimula fortemente a contemplação.


A economia do lazer (Leisure Economy) é, supostamente, um dos pontos fortes de Macau. No passado, muitas pessoas de Hong Kong costumavam vir de férias a Macau, tentando encontrar a tranquilidade idílica da cidade. Nos primeiros anos da República da China, muitos descendentes da antiga Dinastia Qing, como Wang Zhaoyong, que vieram para Macau, usavam, invariavelmente, expressões como “Jardim das Flores de Pessegueiro” (que pode ser interpretado como uma terra imaginária de alegria e abundância, uma utopia)” nos seus poemas de louvor a Macau. E, hoje em dia, quando as pessoas que vivem fora de Macau falam de Macau, a maioria acaba, ainda, por dizer que “A vida em Macau deve ser bastante relaxante.” No entanto, Macau não é uma das dez melhores cidades na China no ranking do lazer.

Há uma enorme diferença entre a dita tranquilidade e a tal utopia. Ser um peixe de aquário que é alimentado regularmente, é fácil e relaxante; mas para alcançar ser-se uma sociedade próspera e um país desenvolvido, a experiência imersiva de “colher à vontade crisântemos da vedação” (citação de um poema, referindo-se a uma vida lúdica e idílica nos campos) é que é difícil de adquirir.


Nos últimos anos, o governo tem estado empenhado em fazer de Macau um Centro Mundial de Turismo e Lazer, mas a ênfase tem sido apenas no desenvolvimento de percursos turísticos mais caros e em programas emocionantes de 24 horas por dia, esquecendo-se, aparentemente, de que o “lazer” é a chave para ligar “turismo” e “cultura”. Recentemente, por exemplo, a cultura de ir ao café tem vindo a popularizar-se em Macau, mas escrever num café continua a ser um cenário invulgar, e se se sentar por mais de uma hora, ser-lhe-á pedido que saia pelo gerente que está mais preocupado com a sua renda. Nem sequer me atrevo a recomendar qualquer tipo de loja aos meus amigos de fora de Macau, que estão com a expectativa de encontrarem um lugar calmo para ficar, por medo de revelar a verdadeira natureza do “Jardim das Flores de Pessegueiro” de Macau, uma utopia, afinal, falsa. Quando a beleza escondida de Macau se limita a suites em hotéis de luxo com vista para o mar, ainda mais porque todos os pequenos parques e trilhos para caminhadas que restavam foram fechados durante a epidemia, a importância dos recursos naturais de Macau como um trunfo para o lazer e turismo é evidente.


Uma cidade ganha um certo encanto quando não está em constante movimento, quando não existe barulho nem confusão, ganha, até, um silêncio inconfundível. Embora a ideia generalizada seja que em Macau o negócio da construção é, ainda, predominante, na verdade tenta-se conjugar isso com a criação de melhores condições para o turismo. Afinal, como diz o ditado, “Só com tranquilidade se pode ir longe”, ou seja, a tranquilidade é a essência do lazer e este não é nenhum projecto de ostentação nem serve para enganar o público. Numa época em que se dá cada vez mais importância à qualidade de vida, o desenvolvimento desenfreado não deveria ser a prioridade.


Se uma cidade quer vender lazer, precisa que este lhe seja intrínseco e que consiga proporcionar tranquilidade à sua vida quotidiana. É compreensível que o governo de Macau e a comunidade local estejam a trabalhar em conjunto para criar uma “capital do divertimento” durante todo o ano. No entanto, enquanto se organizam desfiles, festivais de comida e bebida, e existe um sem-número de influenciadores para desenvolver a economia, é preciso não esquecer de deixar algum espaço para que os visitantes que procuram o lazer em Macau encontrem o seu próprio paraíso escondido.