Lam Sio Man

Nascida em Macau, atualmente a viver em Nova Iorque. Dedica-se a exposições independentes, à escrita e ao trabalho em educação artística. Em 2019, foi curadora da Exposição Internacional La Biennale Di Veneza, inserida nos Eventos Colaterais de Macau, China. Trabalhou no Departamento de Assuntos Culturais da cidade de Nova Iorque, no Museu dos Chineses na América e no Instituto Cultural do Governo da RAEM. É licenciada pela Universidade de Pequim em Língua Chinesa e Artes, e mestre em Administração de Artes pela Universidade de Nova Iorque.

Dar aos Artistas o Seu Tempo Em Estúdio

21a edição | 06 2017

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O mais recente relatório sobre o mercado das artes, publicado pela Art Basel no final de Março, releva um dado surpreendente: mais de metade do total dos lucros de vendas do mercado global de leilões de arte vem de 1% dos artistas. Por outras palavras, neste ramo de negócios glamoroso as pessoas estão apenas a par do trabalho dos artistas que representam esse 1% que está no topo. Sendo assim, como é que os restantes artistas conseguem viver e tornar o seu trabalho criativo sustentável? Para muitos artistas, o apoio terá de vir de financiamento do governo e de organizações sem fins lucrativos.


Recentemente entrevistei um artista patrocinado pelo Lower Manhattan Cultural Council, para saber mais sobre a sua vida em Nova Iorque e as suas necessidades criativas. Ele referiu que o financiamento é a sua prioridade máxima, seguida da necessidade de um espaço para criar. Ao mesmo tempo que estas questões são obviamente importantes para um artista, nós passamos imenso tempo a discutir a necessidade vital de apoio administrativo para os artistas. Não está à vista de muitas pessoas fora desta indústria a quantidade de trabalho administrativo que envolve uma carreira artística profissional. Desde a organização dos trabalhos artísticos, à candidatura a bolsas e exposições, passando por questões relacionadas com impostos, o trabalho administrativo exige do artista uma enorme quantidade de tempo e esforço. Isto também explica porque é que alguns artistas com recursos financeiros decidem contratar assistentes administrativos para que os ajudem. Contudo, quantos artistas estão na verdade em condições de poder fazer isto? A triste realidade para muitos artistas em Nova Iorque é que, enquanto passam meses a preparar candidaturas para bolsas e residências, perdem o tempo que é importante para o trabalho criativo. Sendo que os resultados das candidaturas a bolsas saem normalmente em Maio, os artistas não conseguem concentrar-se e produzir novas obras até ao Verão.


Considerando tudo isto, não somos levados a contemplar os problemas que estão a afectar o actual sistema para o desenvolvimento das artes? Este sistema está a ajudar-nos a formar novos talentos criativos ou, antes, talentos administrativos? Há alguns anos participei num workshop para avaliar a eficácia do financiamento das artes. O orador destacou que, comparando com outras indústrias, os artistas tinham a felicidade de poderem obter apoio financeiro apenas apresentando uma proposta com algumas páginas. Isto faz inevitavelmente com que se pense que as instituições ou departamentos de financiamento às artes necessitam que exista um trabalho contínuo e eficaz, e uma linguagem para o trabalho administrativo, incluindo logística, orçamento, gestão de tempo, controlo de eficácia, etc. No entanto, quando começamos a olhar prática artística a partir da perspectiva administrativa, ou quando esta se torna a principal linha orientadora da arte, facilmente esqueceremos o objetivo dos nossos serviços e as suas necessidades. Afinal, qual é a melhor forma de apoiar as artes e de encorajar projectos criativos?


Para abordar esta pergunta, posso mencionar um livro de Amy Whitaker – uma académica americana que investiga a relação entre as artes e a gestão comercial – , com o título Art Thinking: How to Carve Out Creative Space in a World of Schedules, Budgets and Bosses. Neste livro, Whitaker diferencia pensamento comercial de pensamento artístico. Enquanto que o primeiro adopta um processo típico de A para B, o segundo é um processo de criação de B. Por outras palavras, o trabalho artístico é um processo de experimentação, ou o que algumas pessoas poderão chamar um processo de zero para um, uma vez que o resultado é normalmente difícil de prever. Além disso, ninguém pode saber como será B até que este seja criado.


Estes diferentes modos de pensar podem ajudar-nos a perceber diferentes preocupações que ocorrem no actual mecanismo de financiamento. Talvez comecemos a duvidar da possibilidade de finalizar por completo uma proposta de projecto artístico, mapa de trabalho e orçamento. Talvez nos tornemos mais flexíveis ou ousados no que toca a avaliar a efectividade. O núcleo do trabalho criativo reside na exploração de possibilidades. Se alguém conseguir inventar uma fórmula de sucesso para tal, então suspeitarei que deve ter sido copiada de algum lado e não há espaço no mundo artístico para imitações.


Talvez o pensamento orientado para a gestão no que toca ao financiamento das artes esteja demasiado enraizado em muitos de nós, mas os apelos dos artistas levam-nos certamente a reflectir sobre o valor da arte: “Todo o artista tem o mesmo sonho de ir para o seu estúdio para criar”. Não devemos perder de vista as maneiras pelas quais podemos ajudar os artistas a consegui-lo.