Cheong Sio Pang

Cheong vive em Pequim, trabalha em investigação académica e gosta de escutar música clássica. As suas publicações incluem An Oral History of the Concert Band in Macao. Ele é também o autor de Macau 2014 – Livro Musical do Ano e Macau 2015 – Livro Musical do Ano. Cheong adora aprender.


Para lá das palavras

19a edição | 02 2017

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Foto cedida pelo Centro de Artes da Universidade Tsinghua


No ano passado, a Universidade Tsinghua convidou Joja Wendt, pianista alemão, para dar um concerto intitulado “Volta ao Mundo em 88 Teclas”, na New Tsinghua Xuetang, que se revelou muito popular entre as crianças. Perante uma audiência de mais de 1.500 pessoas, Wendt teve uma performance impressionante. Completamente ao contrário da ideia muito formal que se possa ter de um concerto de música clássica, Wendt deu um espectáculo alegre e amistoso, fazendo com que fosse mais acessível que nunca apreciar a música. Na verdade, a audiência foi convidada a interagir com a música. Isto fez lembrar alguns espectáculos semelhantes de Raymond Chan Wai Man, um músico residente em Macau cuja série de concertos, “Comédia de Música Clássica”, tem ajudado muito a promover o gosto pela música clássica nos últimos anos. O seu espectáculo no último ano, que apresentou um cruzamento colaborativo com a ópera cantonense, foi um grande sucesso. Estes espectáculos de Wendt e Chan mostram que a música pode ser muito mais acessível ao público quando interpretada de um modo refrescante, especialmente através de colaborações. Ao mesmo tempo, eles fazem com que seja mais fácil apreciar a música clássica como uma forma de arte que é extraída da vida. Por outras palavras, usando uma plataforma de interpretação efectiva, a música clássica pode mostrar-se mais conectada com o nosso dia-a-dia e ter uma promoção mais abrangente.


Com uma duração de mais de duas horas, o concerto de Wendt foi cheio de gargalhadas, canções e alegria, com a audiência a participar na criação musical. Influenciada pelo blues de piano do Boogie-Woogie, a sua música é mais agradável e convida à interacção, dada a contínua popularidade da música jazz. Wendt também tratou de explicar o modo como utiliza diferentes instrumentos para melhorar a sua performance musical. Para interpretar a música de Rachmaninov, por exemplo, Wendt utilizou a sua “palma da mão gigante” (cobrindo mais de 12 notas). Enquanto outros pianistas utilizam instrumentos profissionais, o bem-humorado Wendt decidiu atingir este efeito com um pedaço de madeira, para que o público pudesse perceber melhor quão poderosa e imensa é a mão de um pianista. Além disso, ele recordou a época em que aprendeu piano enquanto criança, quando inventava histórias com o piano, ainda bem antes de poder usar as teclas apropriadamente. Durante o concerto, Wendt guiou a audiência pelas suas memórias de infância, encorajando as pessoas a inventarem música em conjunto tocando piano de improviso, da mesma forma que costumam inventar uma “história de terror” com os seus familiares. O pianista confessou que este tipo de processo ajudou a que percebesse o significado da música: o modo como um som diferente pode articular os sentimentos das pessoas.


O talento de Wendt é fortalecedor e não devido à performance em si. Antes, está assente na sua capacidade artística para criar música em conjunto com o público. Isto revela o valor mais importante da música, a possibilidade que dá às pessoas para que possam expressar os seus sentimentos e sonhos. Afinal de contas, a complexidade dos sentimentos dos seres humanos significa que nem tudo pode ser traduzido em palavras. A arte é desta forma um meio para expressarmos o que está para lá das palavras. Neste sentido, não interessa se a natureza da composição musical é elegante ou não. Em vez disso, a importância deste trabalho está no seu poder expressivo que transcende idiomas e cria pontes entre os sentimentos e as palavras.


A riqueza da cena artística de Pequim revela uma nova era em que o desenvolvimento económico estável da China mudou a vida da classe média, que começou a desfrutar de um padrão de vida melhor e a acalentar mais realizações. Apesar de a capital atrair muitos grupos internacionais em digressão para apresentarem os seus trabalhos, há espaço para que as infra-estruturas sejam melhoradas. Há, por exemplo, falta de apoio à tradução para os grupos artísticos, como ficou evidente na má tradução do discurso de Wendt, que fez com que fosse difícil para o público apreciar o que o artista realmente disse. Isto não significa que o tradutor não tenha preparado bem as suas notas, mas houve alturas em que o pianista fez alguns comentários de improviso, o que se revelou um desafio para o tradutor. Como resultado, a efectividade da performance saiu afectada. Seria bom que as performances musicais pudessem ser acompanhadas por uma tradução simultânea de maior qualidade. Afinal, o aumento do número de digressões internacionais que passam por Pequim tornou esta necessidade mais premente do que nunca.