Yap Seow Choong

Yap é um aficionado do design, das viagens e de tudo o que é belo na vida. Escreve para várias publicações sobre viagens e design e tem vários livros publicados, dos quais se destacam Wander Bhutan e Myanmar Odyssey. Antigo editor da Lonely Planet China, Yap é agora o principal responsável por todos os conteúdos da Youpu Apps, uma empresa de aplicações sediada em Pequim.


Rua Velha, Vida Nova

20a edição | 04 2017

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Gosto de passear pelos antigos hutongs de Pequim, ou pelas vielas. Continuo a achar divertido caminhar por Nanluoguxiang, apesar de a zona estar já muito comercial. Fora da agitação da avenida, o hutong é tranquilo, e ainda permite vislumbrar a vida da comunidade tradicional pequinesa.


Adjacente ao Templo Yonghe, a Rua Guozijian é um dos hutongs mais bonitos em Pequim. O Templo de Confúcio está localizado neste beco ladeado por árvores. No Verão, a rua fica coberta por uma densa folhagem. O hutong não é longo, e a sua largura tem a medida certa, tornando-o numa das poucas ruas de Pequim que tem o tamanho adequado. Mesmo com as esplanadas dos cafés cheias de pessoas, não nos sentimos comprimidos pela multidão.


A Rua Guozijian está repleta de lojas que vendem bibelôs desengraçados e de baixa qualidade. A Shengtangxuan é, talvez, uma excepção. Esta marca histórica vende brinquedos ao estilo de Pequim feitos à mão. No lado ocidental da rua há cafés e lojas de lembranças, e vale a pena passar lá algum tempo. Em comparação com o muito turístico Nanluoguxiang, a Rua Guozijian é mais sossegada. Porém, nessa quietude é possível notar que algo está a acontecer e sentir que isso começa a atrair as pessoas.


A Lost & Found está localizada nesta rua. Os proprietários são uma senhora chinesa e um homem americano. Ambos amam tudo o que respeita ao design, especialmente os móveis e utensílios domésticos que podiam ser encontrados na China na década de 1960. Por isso, começaram a gerir esta loja, a que deram o nome de Lost&Found porque pretendem ajudar os clientes a reavivar memórias que quase esqueceram. A loja é pequena, mas possui vários tipos de artigos. A colecção de móveis é particularmente notável. Cadeiras que podem ser encontrados em qualquer lar são utilizadas como um protótipo do produto. Carpinteiros locais são contratados para, com madeira de carvalho importada e couro de bezerro, elaborarem novas cadeiras.


O proprietário americano projecta o mobiliário, enquanto a sua sócia fica responsável pela moda. A maioria das roupas é simples e de estilo sóbrio. Acredito que este design, com uma vibração MUJI e um toque discretamente oriental, só pode ser criado por uma ávida viajante como ela. Se gosta de móveis e utensílios domésticos de estilo chinês, tem de visitar a Fnji Furniture, na mesma rua. Todos os produtos, com um discreto design local, são desenhados por designers chineses independentes e emanam uma elegância pitoresca, ao género da dinastia Ming.


Além da Rua Guozijian, a Rua Yangmeizhuxie, perto de Dashilar, é outro hutong frequentado por pequineses jovens e modernos. Com uma forte vibração da velha Pequim, Dashilar tem um labirinto de hutongs históricos. A Rua Yangmeizhuxie, que em chinês significa rua inclinada dos choupos, ameixeiras e bambus, faz pensar que estará cheia de plantas consideradas auspiciosas na cultura chinesa. Na verdade, a lenda diz que, durante a dinastia Qing, um casamenteiro (“mei” em chinês) cujo sobrenome era Yang vivia na zona, daí a designação Yangmeixie. O hutong manteve o nome antigo e penso que, quando comparado às pretensiosas denominações das ruas principais, este mostra realmente mais criatividade das pessoas comuns.


A Rua Yangmeizhuxie sofreu inevitavelmente uma transformação, sendo agora uma rua pedonal. Felizmente, a maioria dos moradores é capaz de manter as suas casas ancestrais. Ao longo da rua, alguns dos estabelecimentos ganharam nova vida como cafés, livrarias e lojas de acessórios. Os moradores locais e os hipsters, que representam diferentes facetas de Pequim, misturam-se entre si. Um pot-pourri de beleza permeia cada esquina.


Durante a era republicana, a Rua Yangmeizhuxie era um marco cultural em Pequim e reunia um número significativo de livrarias interessantes, como a World Bookstore, a Zhongzheng Bookstore e a Kaiming Bookstore. Todas eram, então, editoras proeminentes. Agora, a rua povoa-se de livrarias acolhedoras, como que para manter a tradição. A Mofan Bookstore é uma delas. O interior está cheio de desenhos da era republicana. Definitivamente, vale a pena passar lá algum tempo. Além de vender impressões antigas, a loja disponibiliza inúmeros itens culturais, como os livros de lombada cosida. Adjacente à livraria, há um café estilo retro chamado Soloist. Lá vende-se café de filtro. Eu e um amigo ficámos na varanda do segundo andar, a apreciar o nosso café e a vista de um oceano de telhas que se estendia à nossa frente.


A Rua Yangmeizhuxie e a Rua Guozijian fazem-me pensar no Nanluoguxiang de outrora. Espero sinceramente que, não obstante a rápida mudança do mundo e apesar da comercialização, estes hutongs possam manter a sua personalidade. Espero igualmente que as lojas ali instaladas prossigam com os seus negócios sem demasiada intervenção externa, e que as pessoas de lá consigam manter os seus modos de vida de forma sustentável.