Promover a literatura de Macau lá fora

04 2015 | 4a edição
Texto/Si Wong, Wong Io Man, Ling Lui, Xu Yuehua

Chau Ka Lai: “O mercado editorial local ainda está subdesenvolvido”     Pin-to Livros: fiel defensora da edição independente

/PT/focus_info/49.html


Promover a literatura de Macau lá fora

 

Apesar de alguns contratempos iniciais, a poetisa de Macau Un Sio San conseguiu publicar em 2008 a primeira colecção de poesia Exile in the Blossom Time em Hong Kong.

 

Numa fase inicial, Un optou pelos canais convencionais de Macau para publicar esta obra. Mas não teve sucesso. A autora concorreu a subsídios governamentais mas, infelizmente, a candidatura não teve a sorte de outras organizações que submetem anualmente projectos rigorosos para publicações. Durante o processo, o injusto sistema de financiamento público frustrou Un Sio San. “Não entendo por que razão o patrocinador tem o direito de partilhar os direitos com o autor, mesmo não se sabendo se vai receber financiamento ou quanto vai receber. Nessa altura, grande parte das pessoas em Macau não tinha consciência dos seus direitos no processo de edição. Penso que esses direitos devem ser respeitados.”

 

Foi então que Un decidiu falar directamente com as editoras de Macau. “Também abordei a Pin-to Livros para tentar explorar as possibilidades editoriais, mas no final descobri que a colaboração é semelhante ao trabalho de um agente de distribuição, devido aos recursos limitados que eles têm. Além disso, a livraria não é especialista na edição e distribuição de livros e, por isso, o processo não seria muito diferente do das edições de autor.”

 

Perante estas dificuldades, Un acabou por se virar para a Kubrick, uma editora de Hong Kong. “Não sendo um tipo de literatura dominante, a poesia não é um género muito lucrativo. Tive sorte porque a Kubrick ficou muito interessada no meu projecto e só a nossa conversa ao telefone durou cerca de uma hora. Fiquei satisfeita porque é uma editora empenhada”, diz a poetisa. Após a primeira publicação, seguiram-se outros cinco livros, que chegaram às prateleiras de Hong Kong, Taiwan, Macau e Interior da China. Para alguém que escreve em Macau, este alcance geográfico é quase inédito.

 

No que diz respeito à publicação de obras na região, Un reconhece: “Em Hong Kong, as editoras enfrentam grande concorrência e têm uma abordagem mais comercial. Em Taiwan, a presença de intelectuais permite criar uma atmosfera mais positiva no mundo da edição, o que torna a concorrência entre as editoras menos agressiva. É dado também maior apoio aos escritores em ascensão. Já no Interior da China há uma maior exigência na formação, embora o processo de publicação seja muito complexo e a censura seja sempre uma preocupação. Mas mesmo assim, em comparação com Macau, as editoras no Interior da China são mais profissionais no trabalho que desenvolvem e apoiam os autores com a partilha de ideias sobre os conteúdos editoriais.”

 

Há uma lamentável falta de leitores em Macau. “Publicar um livro aqui é visto como um acto de entretenimento para o editor e o escritor. Faltam estratégias de marketing. Com um grande número de publicações a serem financiadas pelo governo, a edição é apenas um acto de promoção. Isto cria um ciclo vicioso no comércio literário, já que faz com que os leitores tenham ainda menos vontade de gastar dinheiro em livros”, vinca Un.

 

No mercado editorial em língua inglesa, o agente literário desempenha um papel importante pois actua como gestor do autor e serve como mediador entre quem escreve e edita. Por outras palavras, o agente é responsável pelas negociações dos direitos de autor e operações literárias. Por exemplo, a Peony Literary Agency, que trabalha com nomes consagrados da literatura como Chan Koon Chung, Han Han e Mo Yan, ajuda os escritores na aquisição dos direitos de tradução em línguas estrangeiras. Este papel ainda não se consolidou no mercado editorial de obras em língua chinesa. Un Sio San admite que a promoção das suas obras no estrangeiro tem dependido sobretudo de iniciativas pessoais. “Independentemente da ajuda governamental recebida pelos autores, vai depender do próprio escritor dar-se a conhecer ao mundo lá fora. Hoje em dia, há várias formas de se ser publicado. O meu livro Wonderland também está em formato electrónico. Há quem até utilize os canais virtuais para angariar fundos para os seus livros, oferecendo a quem patrocina a possibilidade de partilhar os lucros das vendas. A internet criou um ambiente de edição muito diferente para todos nós.”

 

O autor de The Last Cluster Amaryllis: Anita Mui’s Art and Life, Lei Chin Pang, também se destacou na utilização dos canais digitais para a promoção das suas obras. Crítico cultural em Macau, Lei passou três anos a escrever esta obra. “No início, os artigos que escrevia sobre Anita Mui eram apenas publicados online. Alguns fãs de Mui começaram a partilhar os meus escritos que, pouco tempo depois, se tornaram virais. A popularidade destes textos chamou a atenção da editora Joint Publisher, que decidiu reunir os artigos num livro. Publicou-se também uma edição em chinês simplificado destinada ao Interior da China”, explica Lei.

 

E com a publicação deste livro abriram-se outras portas. A Joint Publishing acabou por aceitar um segundo manuscrito do autor, que deverá ser divulgado este ano durante a Feira do Livro de Hong Kong. “Como a cena editorial ainda não atingiu o grau necessário de maturidade em Macau, os escritores locais devem explorar as plataformas digitais em vez de se limitarem aos tradicionais canais de edição na cidade onde vivem. Desde que tenham uma obra de qualidade, podem sempre encontrar um outro lar”, comenta Lei. De forma a captar mais leitores, o autor também tem escrito nos últimos anos para várias plataformas—Tencent Dajia no Interior da China, The New Lens em Taiwan e Pentoy em Hong Kong.

 

De acordo com Lei, o governo de Macau deveria estabelecer como prioridade a criação de talentos na área da escrita, já que são estes que procuram promover o desenvolvimento da cultura local e da criatividade. “Hoje em dia, o governo canaliza mais recursos para a indústria cinematográfica, quando na realidade é muito mais fácil criar um escritor do que um realizador. A escrita e a publicação não implicam um enorme investimento tecnológico nem envolvem grandes aparatos técnicos. O governo deve promover escritores locais entre editoras estrangeiras e, uma vez que as obras sejam publicadas lá fora e cheguem ao público internacional, aumentará o interesse nestes livros em Macau.”