Made in Macau em palco—Lawrence Lei I Leong olha o panorama do teatro em Macau

05 2015 | 5a edição
Texto/Wong Io Man

Lawrence Lei I Leong é uma lenda viva do teatro de Macau. Co-fundador da quadragenária Associação de Representação Teatral Hiu Koc, Leong escreveu dezenas de peças e romances e é o actual director do Conservatório de Macau.


L: Dramaturgo, Lawrence Lei I Leong

P: Crítico cultural, Lei Chin Pang


P: Qual é a mais memorável de todas as suas criações?


L: Angry People. Foi criado no início dos anos 1980 e retratava a onda de imigrantes ilegais que chegava do Interior da China nessa altura. A peça foi apresentada no Jardim Lou Lim Ieoc e as autoridades portuguesas e académicos que estavam presentes ficaram profundamente tocados e aplaudiram entusiasticamente. Depois disso, muitos grupos sentiram que não devíamos ter apresentado aquela peça, porque expunha o verdadeiro horror que era a vida dos imigrantes ilegais chineses. Acabámos por encontrar um meio-termo e optei por um argumento mais ligeiro. Mas penso que a peça reflecte a realidade e os confrontos entre pessoas. Não havia nada de político naquele trabalho.


P: Quando a associação Hiu Koc foi criada, era raro escreverem-se peças que reflectissem a sociedade de Macau?


L: Isso não acontecia apenas com esse tipo de produções. Toda a cena teatral de Macau vivia em silêncio. Nessa altura, não havia qualquer grupo de teatro activo. Nós escolhemos o nome Hiu Koc [último pseudónimo do escritor Lu Xun] para fazer despertar o teatro de Macau, que estava moribundo. Desde que estabelecemos o grupo, mantemo-nos fiéis a dois princípios. Em primeiro lugar, apenas vendemos bilhetes e nunca os oferecemos, como forma de respeitar o trabalho dos artistas. Em segundo lugar, insistimos em produções originais que se debrucem sobre temas locais. Quando a Hiu Koc foi criada, Macau era uma cidade muito fechada e o acesso à informação era difícil. Naquela altura, havia uma série de questões controversas em Macau, como era o caso da imigração. Registava-se uma onda de imigração ilegal em massa—vietnamitas chegavam a Macau de barco, etc. As nossas produções abordavam este tipo de questões.


P: Como é que surgiu o seu interesse pelo teatro?


L: Quando era pequeno, gostava de falar comigo mesmo a caminho da escola e de encarnar diferentes personagens. Também gostava de ouvir séries radiofónicas. No segundo ano da primária, aproveitava o dinheiro do pequeno-almoço que eu e os meus irmãos tínhamos guardado para comprar bilhetes para os três no cinema. Depois de ver os filmes, ficava a pensar na estrutura e na forma como eu a recriaria. Uma vez o meu irmão mais novo desmaiou porque não tinha tomado o pequeno-almoço e então deixei de lhe tirar o dinheiro. Como já não conseguia pagar a minha ida ao cinema, comecei a frequentar livrarias com livros em segunda mão, onde ficava a ler. Li Lu Xun e Lao She, entre outros. Comecei a interessar-me pela escrita ficcional e concorri com algumas histórias para o jornal Diário de Macau, que nunca chegou a publicar os meus textos. Quando terminei a escola secundária, comecei a escrever peças de teatro. Foi nessa altura que encontrei espaço para me expressar.


P: Sempre soube que queria escrever peças de teatro para Macau?


L: Os meus trabalhos são essencialmente sobre Macau. Uma das peças, que aborda o tema da transferência de soberania, foi inspirada na obra Demi-Gods and Semi- Devils, porque senti que Qiao Feng, uma das personagens, seria uma boa referência para abordar a questão da identidade da população de Macau. Sand Dune Journey também se baseia num romance e explora a ideia do que é sentir-se em casa. As duas peças foram buscar inspiração a livros que adaptei à realidade de Macau. Basicamente escrevo textos sobre Macau porque sou de Macau.


P: Como vê o desenvolvimento do teatro local?


L: Está a crescer. Muitos jovens foram estudar para fora, o ambiente académico e criativo melhorou e a informação está ao alcance de todos. A atmosfera geral e as políticas culturais também são favoráveis. Por outro lado, aqueles que trabalham em teatro, especialmente freelancers, têm de trabalhar muito e produzir espectáculos com grande frequência para garantirem o seu sustento. Antigamente, tínhamos um outro emprego a tempo inteiro e depois trabalhávamos em teatro como amadores, e por isso podíamos passar meses a pensar numa produção. Isto já não é possível na cena artística actual. O resultado é que existem menos produções originais em Macau. Actualmente, os produtores não lêem livros porque não têm tempo e, mesmo que tenham, preferem ver filmes, que são mais fáceis de digerir e entender. As pessoas escolhem peças bem-sucedidas lá fora para trazer a Macau, em vez de apostarem em criações originais relacionadas com a cidade. Isto preocupa-me.


P: Acredita que o teatro se pode tornar numa indústria em Macau?


L: É possível, mas a questão passa por saber como é que se vão criar condições para que isso aconteça. As produções criativas precisam de vender bem e de levar em conta as preferências do público. Ainda há muita margem para desenvolver o gosto dos espectadores de Macau. A questão é que não se fazem estudos de mercado. Actualmente, as peças em cena não correspondem àquilo que a audiência quer e, em resposta, o público na presta atenção ao que é feito. Se um dia o nosso público for a classe média, então poderemos dizer que o mercado amadureceu. A classe média tem um forte poder de compra e muita influência. Se as peças de teatro conseguirem influenciar essas pessoas, elas poderão, por sua vez, influenciar a sociedade e criar dessa forma uma série de interacções. E do que é que a classe média precisa? Precisa de entretenimento e de temas com os quais se possa identificar. As actuais peças de teatro não encontram eco entre o público.


P: Na sua opinião, o que é que está a faltar ao teatro em Macau?


L: O teatro precisa de se abrir ao mercado, estabelecendo, por exemplo, um local apropriado para espectáculos. Também não existem talentos suficientes para trabalhar nesta área. Temos técnicos, mas não temos pessoas criativas e actores suficientes. É difícil para os estudantes locais entrarem em escolas de teatro no estrangeiro, porque existem sempre limitações como a língua, a altura, entre outras coisas. Além disso, uma cidade precisa de criar produções originais. De outra forma, por que razão alguém lhe prestará atenção? Uma produção de Macau tem de reflectir características e emoções locais.