Lam Sio Man

Nascida em Macau, atualmente a viver em Nova Iorque. Dedica-se a exposições independentes, à escrita e ao trabalho em educação artística. Em 2019, foi curadora da Exposição Internacional La Biennale Di Veneza, inserida nos Eventos Colaterais de Macau, China. Trabalhou no Departamento de Assuntos Culturais da cidade de Nova Iorque, no Museu dos Chineses na América e no Instituto Cultural do Governo da RAEM. É licenciada pela Universidade de Pequim em Língua Chinesa e Artes, e mestre em Administração de Artes pela Universidade de Nova Iorque.

Fechou o Instituto de Artes mais livre em Nova Iorque

26a edição | 04 2018

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Não há almoços gratuitos neste mundo, e assim cremos. 


Em 2014, a Cooper Union, uma conhecida universidade privada em Nova Iorque, acabou com a sua história de ensino gratuito que durou mais de 150 anos. Devido à crise financeira, a Universidade decidiu cobrar propinas, fazendo com que a Escola de Artes subordinada à Universidade deixasse de oferecer bolsas de estudo a todos os estudantes. Nos Estados Unidos da América, onde as escolas privadas cobram propinas muito altas, concluir uma licenciatura em artes sem bolsa de estudo significa pagar um valor aproximado a 150 mil dólares de propinas no período de 4 anos, excluindo as despesas de alojamento e os meios de subsistência, porque é esse o padrão de cobrança adoptado pelas escolas de artes privadas nos EUA. 


Muitas pessoas provavelmente duvidam se haverão candidatos para cursos tão caros. O facto é que desde a década 60 do século passado, o número de estudantes formados em Artes tem crescido incessantemente, independentemente dos problemas sociais, tais como crises financeiras e redução de fundos públicos. O desenvolvimento do mercado artístico e a prosperidade das indústrias culturais levam muitos a acreditar que os artistas conseguem atingir grandes sucessos comerciais, mas na realidade o mercado comercial dá preferência aos artistas já conhecidos, de modo que inúmeros jovens artistas sejam obrigados a lutar contra a pobreza, até carregados de altíssimas dívidas resultantes do pagamento de propinas. 


Cobrar propinas altas transmite, de forma oculta, uma mensagem aos artistas, que é, não há almoços gratuitos neste mundo, onde mesmo a arte custa. Hoje em dia, há quem diga que é uma vergonha ser um artista pobre, sobre o que não me cabe a mim comentar, mas sinceramente, acho que é uma pena que a pobreza impeça o acesso à educação artística. Foi por isso que um grupo de artistas formados pela Cooper Union estabeleceu, em 2009, a Bruce High Quality Foundation University (adiante designada por BHQFU), a qual declarou ser a escola de artes mais livre em Nova Iorque, como reacção aos cursos de artes que cobram propinas muito altas. Abriram-se disciplinas diferentes em dois semestres (Primavera e Outono) por ano, cujo corpo de docentes foi composto por artistas, curadores e críticos de arte convidados. A maior diferença entre a BHQFU e as outras escolas de arte é que os estudantes da BHQFU não precisam de pagar propinas nem recebem diplomas ou certificados da Universidade. Por falar nisso, uma escola de artes não deveria ser um lugar com umas cadeiras onde alunos e professores se reúnem para discutir a arte?


A BHQFU, desde a sua fundação em 2009, tem-se desenvolvido de forma visível, contando com mais de 800 alunos inscritos por semestre no ano passado. A Escola iniciou a cooperação com organizações sem fins lucrativos em África, onde ministrava cursos, enquanto desenvolveu programas de residência artística em Miami. No entanto, foi nesta altura de prosperidade que os fundadores decidiram fechar a Escola, porque para eles, a BHQFU não é apenas uma escola, mas também experiência artística que explora mais uma possibilidade para o ensino artístico nos EUA. Do ponto de vista da sua dimensão, foi certamente um grande sucesso, mas ao mesmo tempo o projecto já mostrou sinais de inflexibilidade e a tendência de se aproximar do regime convencional, começando a desviar-se da aspiração inicial e a fazer perder imaginação. 


Embora seja uma pena o fim deste projecto, o impacto já se fez sentir, ou seja, a Escola suscitou reflexões das outras escolas de artes e dos gestores de recursos artísticos. O que é mais irónico é o facto de a Universidade que formou esses artistas rebeldes e vanguardistas ter começado a cobrar propinas. Diz-se que esta decisão de retrocesso se deve à construção de um prédio que custou imenso e gerou, portanto, dívidas muito altas por pagar, o que é realmente um exemplo de pôr a carroça à frente dos bois. 


Olhando para o passado, sinto muita alegria e sorte em ter participado em actividades culturais e artísticas que decorreram em Macau há uns anos. Ia ao Armazém do Boi ver exposições, participava em palestras na livraria Pin-to Livros e apreciava espectáculos do Festival Fringe da Cidade de Macau nas ruas, sendo a maioria dessas actividades gratuitas que, porém, me permitiam conhecer muitas pessoas e coisas interessantes do mundo artístico. Isso, de facto, já era suficiente para definir a arte, sem dar importância à palavra "mercado". Lamentavelmente, esses espaços fecharam ou mudaram de local sucessivamente por várias razões, e não sei se já perdemos também muitas coisinhas de valor que tínhamos por negligência ao longo de todo o processo de desenvolvimento.