Call Out The Musical: Cantando alto sobre a persistência

07 2021 | 45a edição
Texto/Sara Lo

Diz-se muitas vezes que o teatro é uma arte minoritária. A dimensão populacional de Macau tornou o público de teatro pequeno e a comercialização do mesmo tem sido difícil por muitas razões. Mesmo após dois a três meses de desenvolvimento e aprofundamento, muitas produções com grande potencial terão apenas três a cinco actuações no final, e o público será limitado. A fim de sustentar a vida das suas produções, e de permitir que os artistas e criadores desenvolvam os seus pontos fortes e as suas forças através de recriações, para que a indústria possa continuar a desenvolver-se, e para acumular energia criativa enraizada na comunidade local, muitos grupos artísticos começaram a fazer outras experiências, e novos caminhos têm gradualmente emergido. Alguns grupos de teatro optaram por entrar na Área da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau para criar mais espaço para o desenvolvimento através de uma maior base de público e de uma rede de teatro; algumas pequenas mas requintadas equipas de produção conseguiram, com o seu engenho, levar as artes performativas até perto do público; e alguns grupos de dança insistiram e persistiram até criarem uma obra que, em quatro anos, ganhou o seu reconhecimento.


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It’s time to break my limitation,

it’s time to show my dedication,

Don’t stop to show your implication,

don’t stop to make your revolution


Estas são as letras de uma das canções temáticas do Call Out The Musical, e também parece ser, de alguma forma, o reflexo do processo de nascimento desse espectáculo. Call Out The Musical foi um trabalho desenvolvido pelo The Dancer Studio Macao durante quatro anos, evoluindo gradualmente de um “teatro de música e dança de rua” para um teatro de música que Popeye, um dos produtores executivos, sempre quis alcançar. Nos últimos quatro anos, foram encenadas 15 actuações, mais no Interior da China do que em Macau. Foram superadas muitas dificuldades, não só através da dedicação da equipa criativa em diferentes momentos, mas também através da determinação da equipa de produção. Recentemente, a produção foi reconhecida pelo júri do Fundo das Indústrias Culturais e recebeu o Prémio de Distinção no ambito dos Prémios de Excelência de Projectos na Área das Indústrias Culturais.


Comunicação para além das diferenças culturais


Call Out The Musical foi apresentado pela primeira vez ao público em Março de 2018, “embalado” como um “teatro de música e dança de rua”. Popeye admite que, devido a restrições orçamentais, não foi possível implementar imediatamente a ideia de um puro teatro de música, e só depois desenvolveu um estilo orientado para o teatro combinado com os elementos de música e dança. Em 2019, o espectáculo foi convidado para participar no 12º Festival de Artes da China, em Xangai, e também foi apresentado em Guangzhou, onde se fizeram algumas parcerias no Interior da China plantando, assim, as sementes para futuras actuações em Guangzhou e Zhuhai. Em 2020, Florence, que tem um forte background de teatro de música, juntou-se ao estúdio para assumir o papel de directora e argumentista, aumentando o número de canções de cinco para onze, e revendo significativamente o conteúdo das peças. Oficina após oficina, a qualidade dos trabalhos foi melhorada e lentamente subiu ao nível padrão de um teatro de música.

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A directora e argumentista do Call Out The Musical, Florence (à esquerda), e o produtor executivo, Popeye.     Foto cedida por Cora Si


Este ano, Call Out The Musical foi aos palcos em Guangzhou e Zhuhai pela primeira vez como um teatro de música renovado, e Florence ficou encantada com a resposta entusiasta do público do Interior da China. E refere: “A resposta foi muito boa e as pessoas sabiam como observá-lo. Por exemplo, quando os actores se movimentavam em certas posições no palco, o público sabia o que era um ‘centro’ do palco, e aí tiraram fotografias! Mas a audiência em Macau é normalmente um pouco mais calma. Depois do espectáculo, o público dirigiu-se até ao backstage, falou com os designers e agradeceu-lhes por um bom espectáculo.” Call Out The Musical conta a história de um cantor de Macau que trabalha arduamente para realizar o seu sonho. Florence acredita que o público, no início, poderia ter ficado curioso sobre a história de Macau, mas, no final, o que atraiu as pessoas para ver o espectáculo foi a empatia que ele gerou. A sinceridade das emoções que permeia o espectador tem suscitado muitos comentários por parte do público.


Restrições ao progresso da criação por financiamento


Em Hong Kong, produzir um teatro de música de uma certa escala custa frequentemente HK$3 a 4 milhões, mas como é acessível a jovens e idosos, e tem um elevado retorno de mercado, não é difícil encontrar investidores ou então vendê-lo. Mas de volta a Macau, devido ao sistema de financiamento de diferentes organizações, é difícil conseguir dinheiro suficiente para a produção do Call Out The Musical num ano, o que indirectamente faz com que o processo criativo entre obrigatoriamente no estado de “trabalho em progresso”. Por um lado, isso dá ao trabalho mais tempo para polimento, mas, ao mesmo tempo, impede a criação de conteúdos da mais alta qualidade de uma só vez. Florence explica: “Trabalho em progresso’ significa que no processo de recriação, cada vez que se quiser adicionar uma canção, todo o enquadramento será mudado, pelo que é difícil conceber um teatro de música completo desde o início. Desta vez, por exemplo, quando recebi estes materiais, tive de dar corpo à história com base nas canções que já tinham sido escritas, e o trabalho de combinar estes elementos levou o seu tempo.” O financiamento controla o ritmo da produção e impede que a produção tenha a equipa completa que deveria ter. Florence e Popeye ambos admitem que, desta vez, o fizeram com muito entusiasmo, mas se tivessem de confiar sempre no seu entusiasmo, “seria difícil continuar a fazê-lo”.


O financiamento é o maior constrangimento. Há ainda um longo caminho a percorrer para o teatro em Macau se libertar de subsídios e tornar-se autofinanciado. Florence revela que, uma vez, um executivo sénior duma empresa de jogos se ofereceu para colocar Call Out The Musical no seu teatro long run durante um mês, mas depois de considerar que “Macau não tem uma grande audiência”, a cooperação caiu por terra.


Como fazer com que o público de Macau esteja disposto a pagar mais pelas produções locais? Florence e Popeye acreditam que “tanto a comunidade como o governo devem fazer um esforço conjunto”. As obras e os artistas não são amplamente conhecidos, mas podemos referir os Prémios de Desenvolvimento das Artes de Hong Kong, que não só reconhecem artistas de mérito, mas também fornecem um guia para o público sobre quem ou quais as obras estão disponíveis para começar a reconhecer as produções criativas locais de qualidade. “É preciso fazer branding de uma pessoa ou de uma actuação para descobrir o mercado-alvo”. Até lá, sair para apresentar fora da zona actual e acumular mais boas críticas para os trabalhos parece ser, por enquanto, o caminho mais sustentável para o futuro.


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A versão do teatro de música de Call Out The Musical fez, este ano, uma digressão por Guangzhou e Zhuhai, e foi bem recebida pelo público do Interior da China.     Foto cedida pela entrevistada