Podem os Documentários Trazer Nova Vida às Indústrias Criativas de Macau?

06 2016 | 15a edição
Texto/Jason Leong, Lei Ka Io e Leo Lei

Muitos cineastas proeminentes, como Jia Zhangke e Michael Moore, fizeram excelentes documentários, ou apresentaram continuadamente estilos cinematográficos documentais nos seus filmes. Qual é a importância do cinema documental em Macau e que oportunidades estão ao dispor dos realizadores locais? Para saber mais sobre as suas perspectivas e preocupações, entrevistámos cineastas documentais de diferentes gerações em Macau e Hong Kong.

 

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A edição inaugural do Festival Internacional de Documentário de Macau apresentou, à sua maneira, a arte do documentário à comunidade local. Com o tema “doMEmentary”, o Festival reuniu para a comunidade de Macau documentários baseados em histórias pessoais de diferentes partes do mundo. O filme da gala de abertura foi The Taste of Youth, nova obra do vencedor do prémio Cavalo de Ouro, Cheung King Wai, enquanto outros filmes projectados durante o festival incluíram Wansei Back Home, de Huang Ming-Cheng, um dos realizadores mais importantes de Taiwan; Taxi, que venceu o Urso de Ouro na Berlinale; bem como Aqui Estou, da realizadora local Choi Ian Sin.

 

O curador e responsável pelo Festival, Lam Kin Kuan, refere que Macau não tinha um festival de documentário deste género anteriormente, por isso a decisão de escolher meticulosamente estes filmes premiados que retratam histórias do quotidiano foi deliberadamente para envolver o público, e para mostrar que os documentários também podem ser bastante apelativos e cheios de personalidade.

 

“Em inglês chamamos ‘documentaries’ a estes filmes, mas o termo não deve ser confundido com ‘documento’, uma vez que não têm nada que ver com documentos ou ficheiros. Afinal de contas, os documentários são uma forma de contar histórias, e são totalmente compostos por narrativas e personagens. No entanto, uma vez que a produção de documentários tem que ver com o registo de eventos da vida real, para que o público desfrute de um sentido de autenticidade, os efeitos podem ser diferentes”, diz Lam.

 

Lam Kin Kuan estudou Jornalismo na Universidade de Macau e fez um Mestrado em TV documentary literature na Goldsmiths University, em Londres, com o subsídio do IC. Depois de completar os estudos, regressou a Macau, trabalhou em produção de cinema e participou no programa Macau – O Poder da Imagem, organizado pelo Centro Cultural. Com financiamento deste programa, Lam conseguiu trabalhar a tempo inteiro naquela que é a sua paixão.

 

“Até à data, este é o quarto ano consecutivo em que participo nesta competição. Em anos anteriores, alguns dos meus trabalhos foram financiados por este programa. Infelizmente, há falta de diversidade de público para cinema em Macau, por isso participar em concursos é especialmente importante para realizadores de documentários que trabalham aqui.”

 

Lam refere também que, com a sua história rica, Macau oferece muitas possibilidades e materiais aos realizadores de documentários. “Enquanto lugar onde as culturas chinesa e portuguesa se encontram, Macau tem um enigma local único. Este pano de fundo cultural pode ser muito atractivo para os estrangeiros. Por isso, não nos devemos sentir limitados aos nossos próprios recursos. Em Hong Kong, em Taiwan e noutros lugares há seminários de investimento para profissionais de cinema de todo o mundo interessados em financiar [filmes] inovadores. Se forem bem-sucedidos, podem fazer uso de financiamento estrangeiro para filmar em Macau. O meu trabalho anterior, I Repeated, foi financiado por uma estação de televisão estrangeira, a Peninsula TV. Há diversas oportunidades para o desenvolvimento da produção de documentários em Macau. Tudo depende de quão proactivos formos na busca de oportunidades.” No futuro, Lam planeia fazer mais documentários relacionados com Macau, incluindo um filme baseado no antigo governador de Macau, João Ferreira do Amaral, que perdeu um braço na batalha de Itaparica.

 

Se o universo dos documentários está ainda a ser desenvolvido em Macau, o mesmo pode dizer-se de Hong Kong, ainda que a cidade vizinha tenha uma tradição documental mais longa e que seja possível encontrar ali trabalhos mais sofisticados. O filme de abertura do Festival Internacional de Documentário de Macau foi The Taste of Youth, do proeminente realizador de Hong Kong Cheung King Wai. Em 2009, o filme Music and Life, realizado por Cheung, venceu o prémio para Melhor Documentário no Festival Cavalo de Ouro (Taiwan), bem como as categorias de Melhor Edição e Melhores Efeitos Sonoros. Depois disso, os seus trabalhos, tais como a ficção Crimson Jade e Hill of Ilha Verde, filmado em Macau, receberam muitos prémios internacionais.

 

Perante dos equívocos em relação à natureza dos documentários, particularmente com o pressuposto de que devem ser aborrecidos ou noticiosos, Cheung refere que todos os trabalhos criativos têm alguma coisa em comum. Seja uma ficção ou um documentário, o seu objectivo é explorar questões sociais, e se o filme é interessante ou não depende simplesmente da abordagem de produção escolhida.

 

“Antigamente eu costumava tocar violoncelo. Graduei na Academia de Artes Performativas, e mais tarde também toquei com orquestras. Finalmente, tornei-me realizador. Mas não vejo grande diferença naquilo que faço, seja a tocar violoncelo ou a realizar filmes. Tem que ver com explorar e compreender a vida. No que toca à realização de filmes, a chave não está na trama. O que realmente importa é a perspectiva. Temos de continuar a questionar, colocar essas questões e apresentar a nossa própria visão da vida ao público. Essa é a tarefa de um realizador.”

 

Apesar de os documentários poderem ser menos imaginativos que os filmes de ficção, Cheung diz que normalmente faz novas descobertas durante o processo de preparação dos filmes. “O que é tão especial acerca dos documentários é que não podemos ficar limitados ao guião, nem temos de inventar nada, porque o que precisamos de captar são os acontecimentos reais tal como eles acontecem. Tudo o que temos de fazer é registar o que acontece diante dos nossos olhos. O objecto de interesse acabará por revelar-se com base nas várias coisas que acontecem. Durante a pós-produção, podemos compor uma história e uma trama baseadas na edição de imagem e na sequência.”

 

Cheung acrescenta: “Durante a nossa produção, o que temos de fazer é estar na plena posse das técnicas cinematográficas, do som cinematográfico e da imagem. Assim que tudo está pronto, só temos de ser suficientemente pacientes para esperar e captar as imagens mais tocantes com a nossa lente.”

 

Embora pareça simples, Cheung sente que para fazer um bom filme o realizador tem de saber questionar aquilo que o rodeia. “Fazer cinema pode ser muito cansativo. Se não estivermos fortemente ligados às personagens ou ao seu ambiente, só poderemos fazer uma obra regular, em vez de uma obra-prima tocante. Sou profundamente interessado por pessoas e pela sociedade, e tenho uma espécie de urgência de traduzir os meus sentimentos de forma visual. Esta é a direcção artística que seguirei no futuro.” Cheung está agora a trabalhar num documentário sobre uma rapariga do interior da China que sonha tornar-se uma estrela de cinema. O realizador não tem qualquer agenda com este filme. A ideia passa simplesmente por captar o modo como se vive na sociedade contemporânea.