Guru da publicidade fala sobre as indústrias culturais e criativas

09 2015 | 9a edição
Texto/Chan Lap Hang

A indústria publicitária tem sido a promotora da criatividade, mesmo antes de o termo “cultura e criatividade” se ter tornado numa expressão da moda. O grupo Ogilvy & Mather é uma das maiores empresas de publicidade e comunicação do mundo. Convidámos para este número a directora de operações do grupo em Hong Kong, Catarina Lio, a partilhar connosco as tendências da indústria da publicidade no mundo e em Macau.


Lio: Directora de operações do grupo Ogilvy & Mather em Hong Kong, Catarina Lio

Lei: Comentador cultural, Lei Chin Pang


Lei: Quando estudou na Universidade de Macau já tinha algum interesse pela área da publicidade? Como é que entrou na indústria?


Lio: Estudei no Departamento de Marketing. No meu primeiro emprego depois da licenciatura trabalhei como repórter de televisão e aprendi muitas coisas. Estas experiências foram muito úteis para o meu envolvimento posterior na indústria publicitária. Por exemplo, aprendi como manter a objectividade e entender o foco das coisas. Quando isto é aplicado à publicidade, uma pessoa entende quais as mensagens que uma marca quer transmitir. O trabalho como repórter é duro, requer um controlo meticuloso de prazos apertados e a habituação a muitas horas de trabalho. Na indústria da publicidade passa-se o mesmo—o serviço aos clientes e a análise de estratégias levam muito tempo. A formação como repórter libertou-me da ideia de trabalhar das nove às dezassete. Depois de trabalhar quase durante um ano como repórter, senti que esta não era a minha especialidade e, por isso, mudei para indústria da publicidade.


Lei: Começou a trabalhar em publicidade em 2000. Como vê as mudanças que se deram na indústria na última década?


Lio: Penso que o alcance da visão e a dimensão do envolvimento do publicitário aumentaram. Quando investidores estrangeiros integram uma empresa de publicidade de Macau, eles vão exigindo gradualmente mais e querem o trabalho feito com maior rapidez. Ao contrário da indústria publicitária local, que não sabe como se faz um orçamento, os investidores estrangeiros têm grandes orçamentos e podem analisar sistematicamente quanto capital é necessário para alcançar resultados num determinado negócio. Hoje em dia, quando os publicitários locais trabalham em empresas com investimento estrangeiro, a dimensão é maior do que aquela a que estão habituados, e têm a oportunidade de colaborar e filmar com pessoas de Hong Kong ou estrelas pop. Oportunidades como estas rareavam no passado e não envolviam elevadas somas de capital. Actualmente, a indústria local de publicidade não tem um papel preponderante, encontrando-se ainda numa fase de absorção.


Lei: As empresas de jogo de grande dimensão estão a começar a atribuir importância à publicidade e ao marketing. Que nível de envolvimento podem ter as pessoas de Macau neste âmbito?


Lio: Nível intermédio. Tanto quanto sei, alguns projectos mais simples são executados por publicitários locais; aqueles que requerem acções mais profundas, como reflexão e criação, estão nas mãos de estrangeiros. Penso que Macau sente falta desse tipo de pessoas, como por exemplo de um director de marketing que integre o marketing e todos esses outros elementos em diferentes departamentos. Alguém que saiba como visualizar imagens desde o início e todas as suas voltas e reviravoltas; alguém que saiba como planear uma estratégia e como executar esses tipos de trabalhos. Os publicitários locais que conheço mantêm-se simplesmente a um canto a reunir menus, compor palavras e imprimir cartazes.


Lei: Na sua opinião, quantos anos é que a indústria publicitária de Macau vai precisar para assumir um papel preponderante na organização e planeamento?


Lio: Penso que deverá começar com a educação. Digamos que a educação universitária de quatro anos pode dotar os estudantes de um conhecimento básico e, entretanto, publicitários de nível médio e alto, que se aventuraram no exterior e regressaram, podem guiar estes licenciados a partir do seu quinto ano. Com este mecanismo, a indústria publicitária poderá amadurecer. Além disso, muitas pessoas interpretam erradamente a publicidade, pensando que se trata apenas de design. Mas, na realidade, debater o conceito de uma publicidade é mais importante. No nosso ciclo de trabalho, o design é o último processo—o passo final na elaboração de um produto. Mas neste momento, Macau está a ignorar 80 por cento do ciclo de trabalho—análise de mercado, análise da marca e análise do comportamento humano. De todos estes, penso que o estudo do comportamento humano é particularmente importante, mas de momento não existe qualquer tipo de formação nesta área em Macau. Por isso, muitas pessoas não entendem quais são os elementos necessários numa discussão de ideias para que os trabalhos publicitários alcancem o nível de criação—coisas como o comportamento do consumidor, o modo de serviço, etc.


Lei: A maioria das pessoas que querem entrar nas indústrias culturais e criativas são artistas. A Macau falta um entendimento sobre diferentes aspectos, como o mercado, as tendências culturais e os consumidores, mas mesmo assim continuam a promover-se as indústrias culturais e criativas. O que pensa sobre isso?


Lio: Na minha opinião, vi que Macau está a promover as indústrias culturais e criativas, o que transmite aparentemente alguma confiança. Como se está ainda no início, parece que já foi criada muita coisa. Mas a situação vai facilmente atingir um ponto de saturação, e vai acontecer no próximo ano. Sinto que a “cultura” e a “criatividade” estão a ser postas no mesmo saco à força, sem que de momento haja alguma interacção entre as duas. A venda agressiva da criatividade e o deixar-se ficar pelo “embrulho”, organizando exposições e coleccionando peças de arte, não vai mudar nada na sociedade e na cultura de Macau. A promoção deve ser coordenada com a educação e interacção com pessoas de fora. Acredito que poderemos assistir a mudanças nos próximos cinco ou seis anos.