Lam Sio Man

Nascida em Macau, atualmente a viver em Nova Iorque. Dedica-se a exposições independentes, à escrita e ao trabalho em educação artística. Em 2019, foi curadora da Exposição Internacional La Biennale Di Veneza, inserida nos Eventos Colaterais de Macau, China. Trabalhou no Departamento de Assuntos Culturais da cidade de Nova Iorque, no Museu dos Chineses na América e no Instituto Cultural do Governo da RAEM. É licenciada pela Universidade de Pequim em Língua Chinesa e Artes, e mestre em Administração de Artes pela Universidade de Nova Iorque.

O preço da cultura

9a edição | 09 2015

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Pergunto-me se entre as pessoas ligadas à cultura e à arte existe um medo generalizado dos números. Muito frequentemente, a maioria não consegue distinguir entre milhares e milhões quando de repente se depara com uma sucessão de números, confundindo dezenas de milhares com centenas de milhares.


Para os artistas, manter-se longe dos números pode ser uma regra, se não mesmo uma doutrina. Qualquer conversa sobre rentabilidade é passível de despertar a sua ira, principalmente devido à antiga convicção de que o valor da arte e da cultura não pode ser medido por números. De uma forma positiva, a arte acalma e até ilumina a alma—esses efeitos são difíceis de quantificar. Mas significa isso que a participação nas iniciativas culturais deve ser encorajada sem qualquer consideração pelos custos? Podemos olhar para certos princípios, que tomamos por garantidos num contexto específico, como verdadeiros sob outras circunstâncias? Muitas vezes deparo-me com pessoas que têm esta atitude: “Não tentes discutir arte ou cultura comigo. Não vou entender”—o que explica a profunda divisão entre culturalistas e não culturalistas, já que todas as partes envolvidas estão interessadas apenas na sua própria retórica, sem fazerem um esforço para comunicar e compreender os valores dos outros.


Esta é uma proposição importante. As autoridades culturais são obrigadas a transmitir ao cidadão comum a importância das despesas públicas no sector das artes e da cultura; os produtores de teatro estão incumbidos de convencer patrocinadores corporativos de todos os benefícios possíveis da realização dos seus projectos; já para não falar dos projectos que pretendem tornar-se produtos das indústrias culturais e criativas e que, por si mesmos, têm como objectivo alcançar viabilidade financeira.


Mais do que um meio para divulgar valores, a medição dos custos de projectos artísticos e culturais envolve questões como a legitimidade da atribuição dos recursos públicos, e a sobrevivência e desenvolvimento sustentável das instituições culturais e empresas culturais e criativas. Mas nos últimos anos estas questões em Macau parecem apresentar uma proposição falsa. As elevadíssimas receitas provenientes da indústria do jogo trouxeram ao sector cultural bastante mais apoio financeiro—o suficiente para que vários oportunistas beneficiassem dele sob o pretexto de promover a cultura. Sem uma análise ao custo-benefício e um mecanismo para fazer uma avaliação objectiva, todo o sector acabará por se ver envolvido numa teia de inconsistências, e o financiamento direccionado para genuínos e merecedores projectos de arte e cultura estará em risco. Uma questão que merece ser considerada é se existe mesmo um critério para medir o valor dos projectos artísticos e culturais.


Os académicos britânicos Robert Hewison e John Holden publicaram em 2011 O Guia para a liderança cultural—Como gerir uma organização criativa, sobre como entender, partilhar e até criar o valor da cultura. Desde os valores estéticos das ideias individuais, aos benefícios económicos e sociais das actividades culturais colectivas, o livro oferece aos trabalhadores do sector cultural uma série de conselhos práticos sobre a avaliação do valor da cultura e dá muito que pensar. Por exemplo, as organizações de arte e cultura são aconselhadas a medir através da elaboração de questionários o impacto físico, psicológico e espiritual que os projectos artísticos e culturais têm nos espectadores. Esses “inquéritos ao impacto” não ajudam apenas a quantificar o efeito daquilo que de outra forma seria um conceito abstracto de valor estético, mas também dão aos artistas a oportunidade de entenderem melhor a experiência artística tal como é compreendida pelo público. Têm sido realizados estudos para perceber se o público está ou não disposto a pagar pelos supostos serviços culturais gratuitos. Quanto dinheiro estarão dispostos a gastar? De acordo com um inquérito estrangeiro, os residentes estão dispostos a pagar um valor que ultrapassa 0,5 vezes ou mais o das receitas fiscais gastas pelos serviços públicos no sector cultural.


Tais cálculos exigentes e meticulosos não são necessários porque vamos adoptar para o sector cultural uma abordagem orientada para o negócio ou anular os valores que são nucleares às artes e à cultura, mas para salientar a absoluta viabilidade da medição do valor da cultura. No entanto, todas as formas de processar números levar-nos-iam eventualmente de volta ao ponto inicial onde tudo começou—como a cultura é um bem de valor inestimável, então vale a pena envidar esforços para medir o seu valor.