Ron Lam

Escritora a residir no Japão, especializada em design, lifestyle e jornalismo de viagem, Ron trabalhou anteriormente como editora das revistas MING Magazine, ELLE Decoration e CREAM.


A estética "yurui"

25a edição | 02 2018

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Placa de esmalte feita por Masaki Kanamori e garfo de madeira por Ryuji Mitani


"As proporções destes objectos não estão correctas", disse-me o dono de uma galeria numa ocasião. Estava a falar do trabalho de ceramistas japoneses que foram exibidas na exposição que organizámos. Não me senti bem ao ouvir do comentário, mas não consegui dizer imediatamente o porquê. Fiquei a pensar na mesma questão durante alguns dias, e só quando estava a conversar com alguns amigos artesãos depois vim a perceber a razão pela qual me senti desconfortável – a maioria dos artesãos de hoje não se preocupa muito com a perfeição em proporções, arestas verticais e ângulos rectos, mas sim com a estética "yurui". 


"Yurui" (ゆるい) significa sem rigor e desatento em japonês, sendo normalmente usado para descrever peças de mobília com problemas de proporção ou outros defeitos. Nos últimos anos, tem sido usado por jovens para se aludir à atitude face à vida. De uma maneira mais positiva, o termo representa uma vida pacífica, estável e satisfeita; entretanto, o mesmo refere-se à imprudência do ponto de vista mais negativo. Esta palavra também é utilizada para descrever peças de arte, actualmente. 


A estética "yurui" é algo distraído, não perseguindo a perfeição e a plenitude em demasia. Por exemplo, um círculo deve ser desenhado com um compasso para ficar bem redondo. No entanto, no que toca à estética "yurui", o círculo desenha-se livremente à mão. Haverá sempre diferenças ligeiras nos diâmetros do círculo, mas também são estas diferenças que fazem as pessoas ficarem confortáveis. Copos sem simetria perfeita são aceitáveis. Uma escultura com uma cara mal definida pode transmitir até mais emoção. Na verdade, a distracção permite que o público se sinta mais à vontade. 


Porém, quando um objecto é demasiado "yurui", pode chegar a um extremo e dar a sensação de ser rústico. Neste aspecto, é um grande desafio para artesãos conseguirem um equilíbrio entre a perfeição e a desatenção. Entre os artesãos que conheço, o designer de esmalte japonês Ryuji Mitani e o designer de ouro Masaki Kanamori são os dois que conseguem atingir devidamente este equilíbrio. Ryuji Mitani é um artesão muito famoso no Japão. Sempre que ele organiza uma exposição, os seus trabalhos em madeira encontram-se logo esgotados. Possui um garfo de madeira da autoria dele. O mesmo de três dentes foi esculpido à mão, tendo cada um dente diferenças pequenas em relação aos restantes e sendo ligeiramente inclinados. Por sua vez, na parte da pega estão esculpidas linhas delicadas, o que permite que se sinta mais confortável quando se pega o garfo na mão. Os recipientes de madeira de Ryuji Mitani são frequentemente "imitados" por jovens artesãos. Mas estranhamente, por mais que sejam parecidos, os trabalhos de Ryuji Mitani transmitem uma sensação descontraída, porque talvez o peso dos recipientes, as espessuras da madeira, ou as linhas não paralelas confirem um cariz humano aos seus trabalhos. 


Por seu turno, Masaki Kanamori é o primeiro artesão japonês a tornar produtos de esmalte em trabalhos manuais. Durante muito tempo, o esmalte foi utilizado no sector industrial, tendo sido aplicado na produção de aquecedores e placas de fogão. Paralelamente, potes e recipientes de esmalte também são muito comuns, mas a maior parte destes produtos é manufacturada em fábricas. Independentemente de ser em branco ou coloridos, é sempre esperado que a cor seja espalhada uniformemente na superfície do artigo, o que também se tornou num dos padrões básicos na avaliação da qualidade das técnicas de produção de artigos feitos deste material. Contudo, Masaki Kanamori rompeu com a norma tradicional. Com as diferenças de brilho e tonalidade no vidrado cerâmico, as suas peças de esmalte branco apresentam frequentemente tons escuros do barro, como se fossem uma nuvem ou neblina, uma visão poética que capta a nossa atenção. No passado, as taças de salada eram muitas vezes feitas com rodas de oleiro, formando-se por isso o barro perfeitamente em forma semiesférica. Porém, Masaki Kanamori aborrece-se bastante com a perfeição. Ele prefere moldar o barro à mão e dar-lhe mais texturas côncavas e convexas. Apesar de o olho humano mal conseguir detectar estas texturas, elas conferem aos artigos um aspecto suave. 


Os traços da estética "yurui" podem ser vistos não só em trabalhos manuais, mas também na vida quotidiana e na filosofia de gestão das lojas. Quando Ryuji Mitani abriu a sua loja e galeria de arte chamada "10cm", em Matsumoto, resolveu abandonar a ideia tradicional de planeamento em todos os aspectos. Em vez disso, ele não definiu a frequência de exposições a ser realizadas na galeria de arte e não determinou a direcção na qual as actividades deveriam seguir. Outra loja seleccionada, designada "22", que se situa em Nagoya, é geralmente reconhecida como loja de moda. Porém, a sua proprietária Toshiko Iwada é muito permissivo quanto à gestão da loja. Apesar de a loja ocupar um espaço de apenas algumas centenas de pés, os clientes conseguem lá encontrar uma variedade de produtos, como roupas, livros e trabalhos manuais feitos por artistas portadores de deficiências físicas ou mentais. Tanto a "10cm" como a "22" conseguem demonstrar a atitude dos seus donos face à vida através da estética "yurui". 


Dá a sensação de que a estética "yurui" se desenvolveu quando a bolha económica rebentou no Japão. Depois do colapso, os japoneses gradualmente começaram a duvidar da estética tradicional, caracterizada por luxo e magnificência e encontrar novas atitudes em relação à essência da vida. Quando comparados com artigos delicados que podem destacar o seu estatuto social, as pessoas passaram a valorizar mais os produtos que lhes permitem ser eles próprios. Há alguns dias, encontrei o artista cerâmico Takashi Suzuki, aderente ao conceito de "yurui", e fiquei muito impressionada com o que me disse: "Bem, os produtos que são magníficos e perfeitos, certamente revelam uma atitude de vida excelente e perfeita que muita gente deseja ter. Porém, às vezes, as pessoas podem tornar-se menos refinadas, preguiçosas ou até cometer erros. Não será igualmente bom assim?"