“Wind Box”: os problemas de publicação que a edição independente deve vencer

10 2020 | 41a edição
Texto/Sara Lo

Quando se trata de indústrias culturais e criativas, é importante associar a indústria ao valor de produção. De acordo com as estatísticas da Agência do ISBN de Macau, 633 livros serão publicados em Macau em 2019. Para além das publicações regulares de departamentos governamentais, instituições públicas e escolas, muitas organizações e pessoas a título individual têm o prazer de publicar livros para promover e documentar os seus interesses. É realmente assim tão fácil publicar? Enquanto indústria cultural e criativa, como pode a publicação de livros em Macau tornar-se realmente uma indústria quando o público em geral não sabe muito sobre a edição local? Da produção de conteúdos à distribuição, venda e marketing, esta edição do “Destaque” analisa a forma como as grandes editoras e as editoras independentes operam em Macau.


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A Artistry of Wind Box—Associação de Desenvolvimento Comunitário, virada para a promoção da arte junto de diferentes grupos sociais, lançou, em Junho deste ano, o novo livro História das trabalhadoras na indústria do vestuário de Macau (nome original: 在我還未出生時,她和她的衣車故事), em que se relata a história de vida de algumas costureiras na década de 80 do século XX, preservando a memória do tempo passado e guardando respeito por esta mão-de-obra desconhecida naquela altura.


No que diz respeito às motivações para a publicação do livro, Lei Ioi Chon (J.), organizador e editor do livro, recordou, antes de tudo, o espectáculo “Pronto-a-vestir” de 2017. Nessa altura, J. pensava em realizar um documentário sobre estas costureiras. Juntamente com o seu grupo de colaboradores, recolheram materiais vários, nomeadamente cassetes de entrevista com muitas trabalhadoras, bem como os textos desses registos. Embora aquele espectáculo fosse reencenado mais tarde e houvesse duas exposições relacionadas com a mesma temática em Shenzhen e em Macau, J. sentiu que seria impossível contar esta história de forma original naquele formato, e decidiu então registar literalmente tudo mas na forma dum livro. Fazer um livro para registar histórias pode ter várias vantagens. Em termos das personagens, por exemplo, a descrição literária pode mostrar as dimensões múltiplas das suas personalidades de forma mais abrangente, e em termos do retrato da sociedade, um livro pode traçar as dinâmicas sociais daquele tempo por outros meios que não apenas por palavras; por exemplo, através de ilustrações e diagramas pode-se descrever os salários e os preços dos produtos daquela época, evidenciando as condições de vida das gentes do passado e levando a leitura a ficar mais interessante.


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História das trabalhadoras na indústria do vestuário de Macau, editado por Lei Ioi Chon (J.) Foto cedida pela entrevistada


Entretanto, com tantos materiais acumulados ao longo de muitos anos, o processo da criação literária do livro não foi de todo monótono. A pesquisa foi difícil até que finalmente, num workshop, encontraram e convidaram dois autores de Taiwan, com uma experiência de história de contos orais bastante profunda, para trabalharem enquanto colaboradores do livro. A sua intenção era, por um lado, romper com a ideia generalizada da maioria das pessoas de que os livros de história de contos orais são meramente diários e, por outro lado, tornar a escrita do livro mais enérgica e viva. No entanto, quando se encontravam numa fase já avançada do trabalho, foram subitamente interrompidos pela pneumonia de Covid-19. Durante o tempo da epidemia, não puderam fazer entrevistas face a face, e outras tarefas importantes, tais como a pesquisa, a recolha e a verificação dos materiais, foram suspensas por causa do encerramento de todas as bibliotecas e de todos os arquivos. Tudo isso fez com que a data da publicação do livro fosse adiada várias vezes. No final, não se conseguiu concluir o projecto a tempo e, em resultado disso, o apoio à publicação foi também cancelado; assim sendo, o livro tornou-se numa edição de autor.


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Para além do texto, o livro História das trabalhadoras na indústria do vestuário de Macau também usa muitas ilustrações e diagramas para descrever o contexto social de diferentes maneiras. Foto cedida pela entrevistada



Depois de tanto esforço, o livro foi finalmente publicado. Mas como é que o público leitor o pode agora ver? Numa edição independente, a distribuição é o sector mais complicado, algo que é, de resto, considerado como o problema que mais necessita ser resolvido em todo o sistema da indústria de publicação. Em Macau, todas as principais grandes livrarias não aceitam vendas por correio, uma vez que a quantidade é baixa e não é ligeiro o trabalho administrativo, e, não querem, portanto, dedicar muito tempo a este tipo de vendas. Pelo contrário, numa edição de autor, este precisa de levar o seu livro às livrarias independentes para realizar essas vendas por correio, o que é, ao mesmo tempo, o modo predominante de entrar em contacto com o leitor local. Quanto às áreas ultramarinas, como Taiwan, apesar de haver uma organização de colaboração livreira, a “Fribooker”, que se destina à oferta do serviço de distribuição de pequenas publicações, enviar esses poucos livros de Macau para Taiwan constitui já um custo considerável. “Se eu fizer isso, não será para ganhar dinheiro, mas sim para divulgar o livro a mais leitores. Então, em vez disso, porque é que não lhos daria gratuitamente?” pergunta J.. É mesmo por causa da questão de custo que muitas edições independentes não fazem a divulgação ultramarina do livro. A mesma situação surge em Hong Kong, e mesmo que haja livrarias que aceitem vendas por correio, é necessário que as edições de autor aceitem as suas próprias condições de venda e de distribuição, e voltem às livrarias para recolherem a receita feita, algo que também lhe fica caro.


Ao que parece, o Instituto Cultural (IC) está ciente de que a distribuição constitui uma grande dificuldade da indústria de publicação. Esta entidade lançou, em Junho de 2018, o “Plano de Distribuição de Publicações Culturais de Macau no Exterior”, em colaboração com a Livraria Plaza Cultural Macau, providenciando a distribuição de publicações culturais de Macau em mercados externos e estabelecendo uma rede de vendas ultramarina. Os dados publicados pelo IC em Janeiro de 2020 mostram que houve um total de candidaturas de 10 associações sem fins lucrativos e 3 autores e que o Plano está já na segunda fase de implementação. Embora não seja ainda possível anunciar resultados concretos, em termos do aumento da visibilidade de publicações locais, J. concorda que o Plano poderia ter um papel mais positivo do que aquele que as bibliotecas públicas de Macau actualmente desempenham, visto que há, hoje em dia, muitos livros locais nas bibliotecas que são colocados apenas em determinadas categorias, por exemplo, a de “indispensável para leitura domiciliária” ou a de “referências bibliográficas de Macau”, e que os leitores não podem realizar empréstimos domiciliários à sua vontade. Se as limitações puderem ser mais leves, crê-se que o resultado do Plano venha a ser melhor e que o nível da visibilidade de livros locais possa ser maior.


Artistry of Wind Box—Associação de Desenvolvimento Comunitário

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