Informação Detalhada sobre Gestão Artística

10 2016 | 17a edição
Texto/Lei Ka Io

Não há muitas pessoas cientes do que é o trabalho que dá pelo nome de gestão artística. Mesmo para quem trabalha na área, por vezes o trabalho de um gestor artístico pode ser confuso. Em Macau, a diversidade de grupos artísticos levou a um aumento no número de eventos e actividades artísticas, o que por sua vez conduziu a uma procura maior de gestores artísticos. Não obstante, ainda faltam verdadeiros cursos de gestão artística nas universidades locais. Nesta edição, falamos com várias gestoras artísticas licenciadas e profissionais em Macau, e também com alguém que concebeu um currículo relevante para um instituto local, de modo a sabermos mais sobre a ecologia da gestão artística.

 

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Si Kei Chan e a sua Experiência no Reino Unido

 

Chan cocluiu os seus estudos no Reino Unido. Chan deu os primeiros passos na gestão artística quando participou num concurso de MC enquanto estudante do ensino secundário. Depois do concurso, foi convidada pela Associação Teatral Hiu Kok para trabalhar como membro da equipa técnica. Em seguida, frequentou cursos de gestão teatral, uma decisão que a levou a sair do palco, onde era actriz, e a passar para os bastidores, como gestora teatral. Ainda pensou estudar artes na universidade, mas o seu plano não foi bem recebido pela família.

 

“A minha família pensava que os jovens com educação superior devem trabalhar em empregos normais, seja para o governo ou para a indústria do jogo.” Percebendo a dificuldade de ir contra os desejos da família, decidiu estudar Administração Pública na Universidade de Macau. Assim que terminou o curso, Chan regressou à Hiu Kok para trabalhar como gestora artística. Não obstante, Chan continuava a acalentar o sonho de estudar artes na universidade, pelo que, depois de alguns anos a poupar dinheiro, em 2013 mudou-se para o Reino Unido para prosseguir os estudos. “Na altura, pensei que, como já tinha decidido que iria estudar fora, mais valia ir para um país distante. Optei pelo Reino Unido, onde o teatro tem uma longa tradição e a cena artística está consolidada.”

 

Uma das disciplinas de Chan envolvia um estágio e um relatório para avaliar a experiência. De início, ela não sabia como haveria de assegurar um bom estágio, dada a competição feroz que há em Londres. Sendo esta uma capital para a qual convergem estudantes de topo de todo o mundo, pensou que as suas hipóteses de obter um estágio seriam diminutas. “A concorrência é grande, mesmo para trabalhos não pagos.”

 

Apesar de ter submetido o seu CV a quase 30 grandes grupos artísticos e festivais de Londres, não recebeu qualquer resposta destas instituições e ficou tremendamente desiludida. “Porém, seja como for, sei que preciso de acreditar em mim. Afinal, trabalhei no ramo artístico em Macau e, nesse sentido, sou uma candidata com experiência.” Em Londres, muitas instituições artísticas dão prioridade a candidatos com um background forte. Partindo do princípio que há candidatos com backgrounds ou experiência semelhantes, aqueles que também são da Europa têm vantagem competitiva nas colocações de emprego, uma vez que partilham a mesma cultura. Além disso, quem vem de cidades cosmopolitas, de topo, também é preferido pelos empregadores, pois estarão mais familiarizados com as companhias de teatro dessas cidades. Chan destacou que a maioria dos empregadores não conhecia Macau. “Simplesmente não compreendem como é Macau.”

 

As políticas britânicas também colocaram algumas limitações às oportunidades de obter um estágio. Muitas companhias teatrais de Londres têm recorrido a esquemas de estágio para recrutar pessoal sem pagar. Chan observou que, dada a recessão económica nos seus próprios países, muitos estudantes da Europa de Leste que iam estudar para o Reino Unido ficavam no país após o fim do curso. “Na altura, não havia o ‘Brexit’, e por isso era muito fácil os estudantes europeus encontrarem trabalho no Reino Unido.” Além disso, em Londres, há políticas de apoio aos formandos locais, e os grupos artísticos recebem financiamento por contratar jovens locais.

 

Apercebendo-se da dificuldade de obtenção de um estágio, o orientador de Chan sugeriu-lhe que mudasse a sua abordagem e se focasse em grupos artísticos de menor dimensão, com práticas de nicho. Surpreendentemente, esta abordagem pragmática fez com que Chan obtivesse um estágio num teatro de marionetas para crianças e num teatro comunitário. Fruto das recomendações das duas companhias, ela concorreu e assegurou um estágio no London International Festival of Theatre. “Para conseguir um trabalho em Londres, tudo depende das referências que temos. Temos de ter pelo menos duas pessoas que nos recomendem, e é muito importante que essas pessoas sejam locais. O ideal é alguém olhar para o nosso CV e reconhecer de imediato o nome de quem nos recomenda.”

 

Ter tido tantos estágios deu a Chan mais experiência do que a exigida pelo programa da universidade, mas ela ainda queria observar melhor como é que outras companhias de teatro locais planeiam e executam os seus programas. Reparou que as companhias de teatro em Londres acompanham bastante as tendências e têm acesso a financiamentos públicos e privados. Em vez de olharem para as suas ambições artísticas, estas instituições privilegiam o facto de as companhias proporcionarem sinergias com os seus próprios objectivos, bem como a capacidade das mesmas em gerar retorno. Como tal, algumas companhias têm de responder ao mercado e ajustar a sua orientação em função daquilo que vende. Num ambiente tão comercial, a pressão financeira sobre as companhias de teatro é sempre considerável. “Algumas companhias têm um corte de um terço do seu financimento, enquanto outras têm cerca de um terço do seu financiamento cortado. Quando são obrigadas a cortar no pessoal, costumam recorrer a estagiários para que o trabalho apareça feito.”

 

Chan aprendeu muito sobre o funcionamento real das companhias teatrais durante os seus estágios. Quando trabalhou na área de proximidade com o público no teatro de marionetas em Londres, percebeu que um esquema de associação é fundamental para manter a lealdade da audiência, uma vez que o público concorda em patrocinar o grupo de teatro e, em troca, recebe um determinado número de bilhetes. Ao planear os seus espectáculos, a companhia também é bastante sensível às necessidades do público. Por exemplo, as luzes vão reduzindo gradualmente de intensidade, em vez de serem desligadas abruptamente no início do espectáculo, de modo a não assustar os elementos mais jovens do público.

 

Durante o tempo em que viveu no Reino Unido, Chan conseguiu manter relações próximas com grupos artísticos de Macau. Aliás, ela ajudou duas das companhias de teatro de Macau que iam participar no Festival Fringe de Edimburgo. Estas oportunidades revelaram-se valiosas para lhe dar experiência laboral em marketing e promoção de um festival internacional de artes.

 

O Festival Fringe de Edimburgo é um festival conhecido, em que gestores artísticos e profissionais das artes se juntam e colaboram. Para as companhias teatrais dispostas a sair de Macau, eles exigem garantias de marketing que expliquem a sua ambição e o seu desempenho, listas para demonstrar pormenores da sua viagem e estadia, e requisitos para os locais de espectáculo. “As garantias precisam de ajudar a equipa do Festival a entender se podem contratar aquela companhia ou não, e se os desempenhos são adequados ao Festival.” Chan nunca tinha trabalhado neste tipo de brochuras de viagem antes. Por isso, contactou outros grupos artísticos em busca de oportunidades de colaboração e teve oportunidade de olhar para as garantias relevantes que estes proporcionavam, o que lhe serviu de referência.

 

Carol Lei: Ênfase na Formação na HKAPA

 

Carol Lei, por seu turno, optou por frequentar o mestrado em teatro na Academia de Artes Performativas de Hong Kong (HKAPA, na sigla inglesa). Para ela, a cultura semelhante partilhada entre Macau e Hong Kong era sinónimo de que ela poderia participar em actividades teatrais nos dois territórios. Ao mesmo tempo, gostou da ênfase na formação na HKAPA. “Há outras escolas em Hong Kong com programas semelhantes, mas eu não sou muito adepta de cursos teóricos.” O seu mestrado revelou-se extremamente útil para compreender aspectos como a formação em segurança dos locais de espectáculo. Quando chegou o momento de planear um espectáculo, ela estava ciente da importância de organizar os pontos de acesso de um local de espectáculo de modo a conseguir gerir a multidão.

 

Depois de terminar o curso, Lei começou por procurar oportunidades de trabalho em Hong Kong, mas sendo de fora de Hong Kong, tal revelou-se difícil, pois as ligações pessoais são cruciais para obter emprego. “Não é que alguém te contrate só porque te conhece. A pessoa precisa de saber mais sobre a tua ética de trabalho, gosto artístico e ambições, o que é útil para assegurar compatibilidade.” Ela prossegue: “Por exemplo, se nós gostamos de rock, mas o patrão gosta de música clássica, é pouco provável que sejamos contratados.”

 

Em Macau ainda não há universidades que disponibilizem licenciaturas em gestão de artes. Isto significa que quem pretende formar-se nesta área tem de estudar fora do território. Para pessoas como Chan e Lei, as suas experiências fora ofereceram certamente perspectivas muito valiosas e contribuíram para a cena artística de Macau.