Ron Lam

Escritora a residir no Japão, especializada em design, lifestyle e jornalismo de viagem, Ron trabalhou anteriormente como editora das revistas MING Magazine, ELLE Decoration e CREAM.


Pequenos cinemas nas comunidades japonesas

30a edição | 12 2018

Em 2016, a receita da indústria cinematográfica do Japão atingiu um recorde de 235,5 mil milhões de ienes, o mais elevado valor registado no século XXI. Apesar dos graves desastres, como o grande terramoto no nordeste do Japão, o acidente nuclear e questões sociais como o envelhecimento da sociedade, o cancelamento do sistema de emprego permanente e o aumento do imposto sobre o consumo, entre outros, os japoneses não parecem hesitar em gastar dinheiro nos cinemas para desfrutar do prazer trazido pelos filmes.

 

Pela nossa experiência, os cinemas são normalmente geridos por grandes empresas. Quando entramos no cinema, esperamos ver um ecrã gigante e um sistema de som poderoso. Mas no Japão alguns dos pequenos cinemas são geridos por pessoas que partilham uma paixão por filmes e esperam reinventar a indústria cinematográfica ao introduzir pequenos cinemas em comunidades residenciais.

 

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O Demachiza, localizado da rua de comércio Demachiyanagi, é uma integração de cinema, café e livraria, atraindo muitas pessoas.


Na rua comercial, perto da estação de Demachiyanagi, em Kyoto, mal se consegue encontrar um turista que não esteja em torno da loja de sobremesas Futaba, na entrada que vende Mochi (bolos de arroz). A pequena rua é um destino popular para os moradores locais que vivem nas proximidades, pois há supermercados, mercearias, etc., onde podem suprir as necessidades diárias. No entanto, a estação de Demachiyanagi tornou-se recentemente uma área bastante movimentada porque o Cinema Demachiza começou oficialmente a funcionar, atraindo um grande número de jovens.

 

O Demachiza é uma integração de cinema, café e livraria. Existem duas salas no Demachiza. Apenas 40 pessoas cabem em cada uma dessas pequenas salas. O cinema não mostra êxitos de bilheteira populares que podem ser encontrados basicamente em qualquer outro lugar. Em vez disso, os proprietários escolhem as produções cinematográficas com base no seu próprio padrão. Ali é possível encontrar filmes antigos e mais recentes. A maioria dos filmes exibidos no Demachiza já não estão nas salas de cinema do mercado. Há também filmes que grandes cinemas não estão interessados em mostrar nas suas salas. Em Outubro deste ano, um dos filmes que está a ser exibido no Demachiza é Ice Cream and the Sound of Raindrops, dirigido por Daigo Matsui. A produção foi mostrada nos cinemas do Japão no início de Março e a sua versão em DVD será lançada no final de Outubro. A escolha de filmes do Demachiza apimenta o que este destino cultural pode oferecer aos visitantes. As pessoas não vêm aqui para ver filmes específicos. É provável que perguntem aos funcionários que filmes estão em exibição quando chegam ao local. Se acharem algum filme interessante, compram bilhete e vêem-no. Se nenhum filme os intrigar,  simplesmente sentar-se-ão no café, tomarão uma chávena de café e lerão um livro. Alguns clientes vêm a esta área para fazer compras e acabam no cinema a ver um filme. Nesta área tradicional, um ambiente para produtos culturais e criativos está a formar-se gradualmente graças a este cinema.

 

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O Demachiza, localizado da rua de comércio Demachiyanagi, é uma integração de cinema, café e livraria, atraindo muitas pessoas.


Odate, na Prefeitura de Akita, é cidade de mais de 70.000 pessoas. Na cidade, podemos encontrar um cinema chamado Onariza, que está instalado numa casa. O Onariza está actualmente a mostrar “Summer Blooms”, realizado por Ryutaro Nakagawa. Assim que se entra no cinema, podemos ficar surpreendidos com o sistema de som, já que se ouvem alguns sons de flauta que aparentemente não vêm do filme. A filha do proprietário do cinema pratica flauta no segundo andar da casa, na sala de estar. O som chega até ao cinema. Parece que o público aqui já se acostumou a isso.

 

O Onariza foi construído em 1952 e fechou em 2005. Quando o actual proprietário arrendou este espaço, o plano era renová-lo e torná-lo numa casa residencial. Curiosamente, os moradores dos bairros próximos pensaram que o único cinema da cidade iria reabrir e ficaram bastante animados com a ideia. Posteriormente, o proprietário decidiu reabrir o Onariza, apesar de ter pouco conhecimento sobre como gerir um cinema. Durante o inverno, os clientes do cinema usam grandes casacos quando vêem um filme, para ajudar o cinema a economizar energia com o sistema de aquecimento. Alguns clientes regulares até se oferecem para pintar materiais de promoção quando novos filmes chegam. Alguns clientes compram bilhetes pelo preço integral, em vez de usarem descontos, para ajudar o Onariza a obter mais lucros. O cinema é, portanto, capaz de sustentar a sua operação graças ao amor e apoio dos moradores locais. O Onariza também serve para conectar as pessoas daquela área.

 

O cinema móvel Cinema Bird no campo, lançado pelo famoso realizador japonês Takumi Saito, e o Cinema Skhole em Nagoya, do realizador Wakamatsu Koji, são outros exemplos de cinemas criados por uma pessoa. Encontrei até um pequeno cinema na casa de um arquitecto perto da estação Tojiin, em Kyoto, que só mostra filmes uma ou duas vezes por mês. Ocorre-me que gerir um cinema pode não ser tão difícil quanto imaginei que fosse. Talvez a organização de qualquer forma de actividade criativa não seja assim tão complicada.