Lam Sio Man

Nascida em Macau, atualmente a viver em Nova Iorque. Dedica-se a exposições independentes, à escrita e ao trabalho em educação artística. Em 2019, foi curadora da Exposição Internacional La Biennale Di Veneza, inserida nos Eventos Colaterais de Macau, China. Trabalhou no Departamento de Assuntos Culturais da cidade de Nova Iorque, no Museu dos Chineses na América e no Instituto Cultural do Governo da RAEM. É licenciada pela Universidade de Pequim em Língua Chinesa e Artes, e mestre em Administração de Artes pela Universidade de Nova Iorque.

Terra prometida desaparecida─o bairro artístico em Nova Iorque

27a edição | 06 2018

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Comunidade artística da baixa de Nova Iorque nos anos 1960 (Dave Health através de Stephen Bulger Gallery e Howard Greenberg Gallery)


Num dia do Verão de São Martinho vestimo-nos com as nossas peças favoritas, eu com as minhas sandálias Beatnik e as minhas echarpes já desfiadas, enquanto Robert com os seus colares de contas e o colete de pele de ovelha. Apanhámos o metro até à West Fourth Street e passámos a tarde em Washington Square. Partilhámos o café de um termo, observando o fluxo de turistas, de gente drogada e de cantores folk. Revolucionários muito agitados distribuíam panfletos anti-guerra. Jogadores de xadrez atraíam a sua própria audiência. Toda a gente coexistia entre um contínuo zunzum de diatribes verbais, bongos e latidos de cães. 

── Apenas Miúdos, de Patti Smith


Esta é a Nova Iorque no final dos anos 1960 descrita por Patti Smith. Naquela época, a baixa de Manhattan era o paraíso para os artistas pobres. As rendas baixas fizeram com que os artistas se reunissem ali. Geriam os seus próprios espaços alternativos, ajudavam-se uns aos outros na montagem de exposições e eram o público uns dos outros. Várias experiências multidisciplinares encontraram ali o seu espaço. 


Cerca de meio século passou, as artes alternativas daqueles anos ficaram inscritas na história da arte com os nomes dos seus pioneiros, e entraram em museus de arte e em casas de leilão. No entanto, o cenário da baixa de Nova Iorque já não é o mesmo. Em 2010, Patti Smith esteve numa sessão pública em que alguém lhe perguntou se hoje em dia os jovens que chegam a Nova Iorque poderiam ser como ela. Patti respondeu que eles deviam encontrar outra cidade. “Nova Iorque ainda é uma cidade fantástica, mas fechou as portas àqueles que são pobres e criativos.” 


No livro Alternative Art in New York, 1965-1985, a artista e curadora Julie Ault escreve que a atmosfera dos anos 60 e 70 em Nova Iorque foi promovida por diversos factores: “Muita ou até um excesso de população dedicada à arte; diversidade de culturas e etnias entre a população urbana; o ambiente político de movimentos cívicos e de luta pela liberdade; espaços comerciais e residenciais baratos; muitos terrenos urbanos vagos; espaços públicos com menos restrições; o crescimento do financiamento público da cultura; e uma cidade importante para a arte.” Considerando todos estes factores, a maior mudança em Nova Iorque é o facto de ser difícil aos artistas pagar os preços pedidos por espaços e terrenos. De acordo com o relatório publicado em 2015 pelo Centre for an Urban Future, as rendas elevadas estão a afastar os artistas da cidade e a dissolver a criatividade. 


Para onde devem ir os artistas? Desde os anos 1990, muitas cidades pelo mundo tentaram criar bairros artísticos como o SoHo e East Village, na baixa de Manhattan. Mas porque é que estes lugares nunca receberam a admiração dos artistas? Uma das principais razões é que os gestores destes bairros nunca perceberam os motivos que levavam os artistas a juntar-se. Uma professora associada de Arte da Universidade de North-Western, Lane Relyea, escreveu: “[O círculo artístico] tornou-se num sistema maior e espalhou-se pelo país, com o número de mestrados em Arte a aumentar constantemente... os artistas têm de encontrar formas de vida alternativas além do negócio [da arte]... eles são criadores e também organizadores. Eles devem estar juntos para gerar reconhecimento mútuo, estatuto, popularidade e registo.” Por outras palavras, um bairro artístico não é apenas uma reunião geográfica de artistas, mas uma pequena sociedade composta por artistas, em que os seus membros contam uns com os outros e ajudam-se uns aos outros para se desenvolverem. Se esta ligação que pode dar apoio aos artistas não se formar, estes bairros artísticos apenas existirão no papel. 


Os artistas famosos de East Village e do SoHo parecem ilustrar histórias de sucesso e riqueza através da criação cultural e até da promoção de edifícios enquanto ícones artísticos. Mas é difícil construí-los dentro de comunidades culturais energéticas, não porque o número de artistas não seja suficiente ou porque eles não tenham qualidade, nem por esses bairros estarem distantes do centro do mercado. Ao contrário, é porque estes não se apoiaram nem se encararam o desenvolvimento da comunidade artística com seriedade. Na verdade, no mundo globalizado de hoje, o mercado artístico é alcançável seja a que distância for e os talentos artísticos viajam à volta do mundo. Há muitas cidades artísticas emergentes como a baixa de Nova Iorque daqueles anos, que servem de berço à experimentação de arte alternativa e oferecem poder de inovação ao sistema artístico mainstream. 


“Vão à procura de outra cidade”, disse Patti. Encontrem uma nova terra prometida para os artistas.