Yap Seow Choong

Yap é um aficionado do design, das viagens e de tudo o que é belo na vida. Escreve para várias publicações sobre viagens e design e tem vários livros publicados, dos quais se destacam Wander Bhutan e Myanmar Odyssey. Antigo editor da Lonely Planet China, Yap é agora o principal responsável por todos os conteúdos da Youpu Apps, uma empresa de aplicações sediada em Pequim.


A transição de uma cidade industrial para uma cidade criativa

26a edição | 04 2018

A partir da sofisticada cidade de Lyon, numa hora chega-se a Saint-Etienne. Há vinte anos, Saint-Etienne ainda era uma famosa cidade industrial francesa, mas com a decadência da indústria manufactureira na Europa, a cidade parace ter perdido o brilho da sua era industrial. 


Saint-Etienne percebeu logo que também tinha de se transformar para continuar próspera e, assim, a indústria criativa de design moderno e de baixa poluição, agora na moda, tornou-se a sua tábua de salvação. Desde 1998 a cidade tem vindo a organizar a Bienal de Design de Saint-Etienne, já bastante conhecida no estrangeiro, e que atrai muitos visitants e também convidou o arquitecto Norman Foster, de fama internacional, para desenhar a nova Casa da Ópera, Zénith, e todas estas grandes iniciativas têm mantido a cidade no mapa. 


Para além da sua base industrial sólida, o seu ambiente urbano também é bastante adequado ao desenvolvimento das indústrias criativas. Segundo os guias locais, as pessoas de Saint-Etienne são hábeis para o negócio e têm jeito para as inovações, sendo prova disso o facto de a maior cadeia de supermercados de toda a França, a Casino, ter sido fundada aqui, em 1860. Em 1885 a Manufrance também criou aqui a primeira empresa de serviço de compras por correio em França. E o conhecido arquitecto e urbanista, Le Corbusier, propôs um plano de “Cidade Contemporânea”, o que suscitou a atenção do então presidente da câmara, que decidiu conceder-lhe um terreno em Firminy, a 7 quilómetros de Saint-Etienne, para pôr em prática a sua visão urbana. 


Nascido na Suíça em 1887 e activo no mundo da arquitectura francesa, Le Corbusier é um dos arquitectos mais importantes do século XX, tendo sido um pioneiro com os seus designs modernos e internacionais. As suas obras podem ser apreciadas em várias regiões do mundo, incluindo Europa, Estados Unidos da América, Índia, sendo a mais conhecida a Capela de Ronchamp, no nordeste de França. Este projecto de planeamento urbano, de nome Firminy-Vert, pode ser considerado o mais avançado da Europa, na época. O plano original incluía a construção de três torres de apartamentos, (só uma foi erigida), um estádio, um auditório e uma igreja, entre outros edifícios. Para além de Chandigarh, na Índia, Firminy é a área onde se concentram mais edifícios desenhados por Le Corbusier. 


A Basílica de São Pedro é a construção mais notável e lendária que resultou deste projecto, e foi uma história com altos e baixos. A construção da Basílica só se iniciou cinco anos após a morte do arquitecto, e avançou progressivamente até ao ano de 1978, quando foi suspensa por falta de fundos. Em 2002, com o apoio do governo municipal de Saint-Etienne, as obras reiniciaram-se, supervisionadas pelo aluno preferido de Le Corbusier. E só no final de 2006 a obra ficou enfim pronta, 41 anos após a morte de Le Corbusier. 


Ainda de longe, a primeira visão da Basílica é o telhado de 33 metros de altura, que parece um chapéu. A Basílica, para além de serviços religiosos, também está aberta a visitantes, e cobra bilhetes de entrada. O primeiro piso foi originalmente concebido para ser a residência dos frades, mas tornou-se na sala de exposição de Le Corbusier, exibindo as plantas feitas pelo arquitecto, mobílias, e pinturas, além de narrar episódios da sua vida. Uma vez na nave da igreja, vê-se a luz natural entrar por três janelas de diferentes cores e estilos, situadas no tecto e por frinchas nas paredes, que criam raios de luz de formas únicas no interior. A cruz do altar mor é bastante sóbria e como nas paredes se abriram diversos orifícios, durante a reza podem apreciar-se as estrelas da constelação Órion. 


Após a visita à Basílica, o guia levou-nos a visitar o edifício habitacional Unité d’Habitation. Há 60 anos, Le Corbusier concluiu o seu primeiro edifício internacional de apartamentos em Marselha, no sul de França, e mais tarde copiou o conceito para outras cidades europeias. Quando o edifício surgiu em Marselha, foi muito mal recebido e logo apelidado de “construção de um louco”, pois ninguém acreditava que alguém quisesse viver num prédio tão alto que parecia uma gaiola de pombos! Mas o tempo comprovou a visão pioneira de Le Corbusier. 


A edifício tem 15 andares, e foi construído em concreto, num design que privilegiou a simplicidade e a funcionalidade. Parte da fachada exterior foi pintada de cores vivas, em vermelho, amarelo e azul. O design “louco” proposto por Le Corbusier pretendia resolver o problema de excesso de população urbana. O conceito é similar à ideia de “uma cidade dentro da cidade” e, para além dos apartamentos, o piso inferior é um espaço comum que tinha até uma creche. Os apartamentos estão ligados por longos corredores, fazendo lembrar uma rua. Actualmente, metade do edifício está arrendado a preços baixos a pessoas com baixos rendimentos, e a outra metade está para venda no mercado livre. Segundo o guia, apesar do ambiente social complexo em redor e da falta de transportes, devido à fama mundial de Le Corbusier muita gente quer comprar, considerando que o icónico edifício tem grande potencial como investimento.